Após quase 14 meses de pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) finalmente atualizou suas informações sobre as formas de transmissão do novo coronavírus, reconhecendo sem reservas a transmissão pelo ar. O novo texto diz que o vírus se espalha “principalmente” entre pessoas próximas, mas também que pode se espalhar por longas distâncias em ambientes fechados e/ou mal ventilados – “isso ocorre porque os aerossóis permanecem suspensos no ar ou viajam a mais de um metro”. No mês passado, pesquisadores de universidades dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido escreveram um longo comentário sobre isso no periódico The Lancet. Eles criticaram uma recém-publicada revisão sistemática financiada pela OMS, cuja conclusão era a de que “a falta de amostras de cultura viral recuperáveis de SARS-CoV-2 impede que conclusões firmes sejam tiradas sobre a transmissão aérea”. Contrapondo-se a tal dedução, eles listaram dez razões pelas quais as evidências disponíveis apoiam fortemente o domínio da transmissão por aerossóis (gotículas muito, muito pequenas que não caem rapidamente depois de emitidas). Na verdade, cientistas vêm alertando sobre a contaminação pelo ar praticamente desde o começo da pandemia, como já discutimos bastante por aqui. Em julho do ano passado, mais de 200 publicaram uma carta aberta à OMS elencando evidências e pressionando a entidade a rever suas recomendações oficiais. De lá para cá, o organismo admitiu a possibilidade de o vírus se espalhar por aerossóis e seus representantes passaram a falar sobre a importância da ventilação. Mas, no site da organização, o texto oficial sobre forma de contaminação ainda dizia que eram necessários mais estudos para entender como e onde a transmissão pelo ar ocorria. Além disso, ainda circulam comunicações da OMS dizendo expressamente que “a covid-19 não é transmitida pelo ar” – e já passou da hora de apagá-las. A mudança da OMS pode parecer muito pequena, mas não é. “A luta por esse reconhecimento não é uma disputa de terminologia ou uma questão puramente acadêmica. Isso influencia diretamente as ações de prevenção que tomamos e a forma como devemos agir para nos proteger”, tuitou Vitor Mori, membro do Observatório Covid-19 Br. A não-compreensão de como o vírus se transmite é um dos problemas por trás de políticas públicas que priorizam a desinfecção compulsiva de superfícies em vez de campanhas sobre o uso de respiradores PFF2, por exemplo. Ou de decretos locais que fecham parques mas abrem shoppings, o que ainda acontece hoje. Ou da ideia errada de que em ambientes onde não se usam máscaras, como bares e restaurantes, basta haver distanciamento para garantir segurança.