06/12/2024 às 11h16min - Atualizada em 06/12/2024 às 11h16min

‘Estou morrendo e não precisava’: pacientes esperam até 8 anos por atendimento do SUS no RS.

OBSERVADOR REGIONAL
Foto: Reprodução/ RBS TV

Nos últimos oito anos, a empresária Kelly Tomaszewski viu o Brasil mudar de presidente três vezes, o seu time do coração conquistar a Libertadores, e o Rio Grande do Sul enfrentar secas e tempestades. Ela também teve uma filha. No entanto, neste período, Kelly viu sua saúde deteriorar. Desde 2016, ela aguarda por uma cirurgia bariátrica no Sistema Único de Saúde (SUS). “Estou morrendo e eu não precisava porque eu podia estar bem. Eu podia estar melhorando”, conta a empresária.Agora, até mesmo tarefas simples tornaram-se difíceis para a empresária. “Eu não tenho um sono bom. Acordo com muita dor, seja na perna ou na coluna. O peito, eu não consigo mais respirar. Eu durmo com cinco travesseiros, quase sentada. E, quando durmo de lado, coloco um edredom”, relata.A situação da moradora de Esteio, na Região Metropolitana de Porto Alegre, está longe de ser um caso isolado. No município, seis mil moradores aguardam na fila para consultar um especialista. Segundo o secretário municipal da Saúde, Gilson Menezes, que também é enfermeiro, a situação é alarmante. “Por exemplo, na cirurgia cardiovascular, onde entra o cateterismo cardíaco, temos 198 pessoas na fila. Ganhamos uma vaga por mês. Teoricamentessae, a fila terminaria em 198 meses. Mas, na realidade, não vai terminar, porque novos casos entram o tempo todo”, diz Menezes.Para amenizar a espera, a prefeitura custeia, com recursos próprios, 1,4 mil consultas mensais. Mesmo assim, o sentimento de frustração é inevitável. “Os pacientes procuram a gestão municipal. De nada adianta explicar que a responsabilidade é do Estado ou da União. Eles querem é a consulta”, lamenta o secretário.

Uma fila que não anda

A demora no atendimento pelo SUS é uma realidade que agrava o quadro de muitos pacientes. Em Porto Alegre, mais de 190 mil pessoas esperam por consultas, de acordo com dados públicos da capital. A especialidade com maior demanda é oftalmologia adulta, com mais de 30 mil pacientes na fila. Para exames, o número também é expressivo: quase 150 mil aguardam por atendimento. O aposentado Ricardo Dias, morador da capital, esperou 465 dias para consultar um ortopedista. Quando finalmente conseguiu o atendimento, já era tarde. Ele ficará com sequelas permanentes no dedo mínimo da mão esquerda.“É humilhação. Tu acorda cedo, entra na fila, te chamam, fazem meia dúzia de perguntas e pedem para voltar em três meses”, desabafa Dias. Segundo o secretário municipal da Saúde, Fernando Ritter, a fila do SUS é histórica. Ele aponta o envelhecimento da população e o fechamento de serviços, especialmente na Região Metropolitana, como fatores que agravam o problema.“Essa fila não surgiu agora, desde sempre o SUS tem essa fila. São vários motivos: em primeiro, o envelhecimento da população; em segundo, aumento em algumas especialidades como traumatologia”, explica Ritter.

O que dizem as autoridades

A reportagem da RBS TV solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), o número de pacientes que aguardam na fila do SUS no estado e não recebeu um retorno até a mais recente atualização desta reportagem. A secretária-adjunta da Saúde do Rio Grande do Sul, Ana Costa, afirma que há um grande investimento para ampliar a oferta de atendimentos. “Quando a gente precisa, por exemplo, diminuir uma fila de cirurgia, eu preciso ter capacidade dos serviços de executá-las: blocos cirúrgicos novos, novos equipamentos”, diz a secretária.O Ministério da Saúde informou, em nota, que tem expandido os serviços públicos de saúde no RS, com mais recursos e novas habilitações. A pasta disse que, em dois anos, aumentou em 21% os recursos para procedimentos de média e alta complexidade e que lançou, em novembro, um programa para aumentar o acesso a especialistas. Já para a redução das filas de cirurgias, informou que disponibilizou, só em 2024, mais de R$ 1 bilhão.Para quem enfrenta a demora, recorrer ao Ministério Público ou à Defensoria Pública pode ser uma saída. Casos de espera excessiva podem ser denunciados ao Ministério Público, que investiga o problema e busca responsabilizações. Já a Defensoria tenta resolver as situações extrajudicialmente e, caso não tenha sucesso, ingressa com ações judiciais para garantir o atendimento. “A gente pode oficiar os órgãos, tanto o Estadual quanto a Secretaria Municipal da Saúde, se for da competência municipal, para que sejam fornecidas informações de se há previsão de atendimento, se há como a gente trazer de forma mais breve”, explica a defensora pública Roberta Barbosa.

Uma espera que intensifica a dor

Soeli Lopes, de Eldorado do Sul, aguardou mais de 800 dias, ou seja, mais de dois anos, por uma consulta com um ortopedista. Agora, Soeli teme enfrentar outra longa fila para a cirurgia. Com bursite, uma inflamação que causa fortes dores nas articulações, ela sofre para realizar atividades simples, como levantar-se de uma cadeira ou subir um degrau. Antes autossuficiente, ela agora depende do marido para as tarefas diárias. “Desde limpeza de casa, comida, até pra levantar da cama ela precisa muitas vezes de ajuda. Todo esse tipo de serviço”, conta o marido, Leival Tenendine.

Nota do Ministério da Saúde:

Desde 2023, o Ministério da Saúde tem expandido os serviços do SUS no Rio Grande do Sul, com mais recursos e novas habilitações. Entre 2022 e 2024, o teto financeiro para procedimentos de média e alta complexidade (Teto MAC) cresceu 21,28%, chegando a R$ 3,8 bilhões, o que permitiu o aumento de 16% nas cirurgias eletivas, 9% nas consultas com especialistas e 27% nas tomografias, entre outros avanços. Foi lançado no estado, no dia 27 de novembro, o Plano de Ação Regional do Programa Mais Acesso a Especialistas, que beneficiará 30 regiões de saúde nos 497 municípios do estado, com investimento de R$ 68 milhões. A iniciativa ampliará o acesso a consultas, diagnósticos e tratamentos especializados.O Ministério reafirma seu compromisso com a recuperação do Rio Grande do Sul, destinando mais de R$ 84 milhões para custear serviços de saúde e manter ações de média e alta complexidade em 334 hospitais filantrópicos, beneficiando 284 municípios. No âmbito do Programa Nacional de Redução das Filas (PNRF) foram disponibilizados, em 2023, R$ 600 milhões para que estados e municípios pudessem acelerar a realização de cirurgias. Em 2024, foram disponibilizados mais R$ 1,2 bilhão. Essas medidas fortalecem o compromisso do Governo Federal em garantir mais recursos e melhores serviços à população, promovendo avanços significativos no acesso à saúde.”


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