Nas últimas duas semanas, a pandemia do coronavírus no Brasil perdeu força no Sudeste, Norte e Nordeste para ganhar velocidade no Sul e Centro-Oeste. Neste processo, o Rio Grande do Sul tem o segundo maior crescimento de mortes diárias de todo o país, atrás apenas do Mato Grosso do Sul, segundo análise de GaúchaZH com base em dados do Ministério da Saúde.
Na média, 38,4 gaúchos morreram diariamente por coronavírus na última semana. Trata-se de um aumento de 96,3% na comparação com a média de duas semanas atrás, quando havia 19,6 vítimas diárias.
No Mato Grosso do Sul, o crescimento de novas mortes em duas semanas foi de 133%. Mas a média de vítimas diárias ainda é baixa – passou de três para sete. O método reduz distorções causadas por atrasos em notificações em fim de semana, quando menos testes são processados por laboratórios. O período de duas semanas é levado em conta porque é a média de tempo em que uma pessoa infectada começa a manifestar sintomas, busca atendimento e é testada, entrando para as estatísticas oficiais. Como mostra o gráfico a seguir, dos 10 Estados onde a pandemia mais avança, sete são do Centro-Oeste e Sul.
Apesar de Mato Grosso do Sul registrar o maior avanço do Brasil, a grande preocupação entre os Estados no topo da lista é com Rio Grande do Sul e Paraná, afirma Álvaro Krüger Ramos, professor do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). — Mato Grosso do Sul tem a maior expansão, mas a média de novas mortes passou de três para sete. É relativamente pouco, uma epidemia em estágio inicial. Mas Rio Grande do Sul e Paraná pularam de 20 para 40, é um impacto bem maior, em estágio já intermediário. Há um novo epicentro da epidemia aqui. As medidas de distanciamento social deveriam ser tomadas com mais rigor: estamos em oitavo lugar na média móvel de mais mortes e estamos entre aqueles com maior crescimento. São dois dados preocupantes, a gente corre o risco de ficar como os Estados ruins — afirma o matemático. São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas e Ceará, onde a doença mais preocupava, registram desaceleração ou baixo crescimento do contágio – ainda assim, em números brutos, conservam a pior situação epidêmica.
Quando se olha para o histórico da pandemia desde o início, o Rio Grande do Sul tem a quarta mais baixa mortalidade do país – 9,3 vítimas a cada 100 mil habitantes, segundo o painel da Secretaria Estadual da Saúde (SES). Proporcionalmente, Ceará tem o pior quadro, com 76,4 óbitos a cada 100 mil pessoas. Estados mais distantes do centro do país correram para impor medidas de distanciamento antes que o vírus se alastrasse. Com isso, a epidemia foi contida (a curva foi achatada) e autoridades ganharam tempo para melhorar o atendimento – o Rio Grande do Sul, por exemplo, aumentou em 75% a oferta de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), movimento sem o qual os hospitais já teriam entrado em colapso. No entanto, em função da retomada de atividades e da redução do distanciamento social, mais pessoas começaram a circular nas ruas e as infecções passaram a crescer nos Estados antes com situação controlada, afirma Jeruza Neyeloff, médica epidemiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Agora, leitos de UTI, sobretudo em Porto Alegre e na Região Metropolitana, começam a faltar. Ela diz que o Clínicas, que atende a todo o Estado, já está recebendo mais pedidos de internação do que pode atender. — Nossa curva vinha bem controlada durante um bom tempo, assim como no Centro-Oeste. As duas regiões estão crescendo muito agora, enquanto que outros lugares estão com crescimento controlado. Mas não podemos confundir o crescimento com impacto total: o Rio Grande do Sul tem maior crescimento do que Amazonas, mas estamos em situação melhor — afirma a epidemiologista. — O Rio Grande do Sul parou precocemente e aderiu bem (ao distanciamento), mas agora... Não sei se a população esgotou a resiliência ou se tem a percepção de que não há o que fazer. Compreendo a decisão dos gestores, mas acho que não contavam que, quando se precisasse fechar de novo, a população não iria aderir tanto como no primeiro momento — afirma Jeruza. Em entrevista a GaúchaZH na terça-feira (14), para comentar a marca de mil mortos por coronavírus no Rio Grande do Sul, a coordenadora do Comitê de Dados do Piratini, Leany Lemos, afirmou que o cenário gaúcho não deve chegar a uma situação parecida à de São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas ou Ceará porque o modelo de distanciamento controlado foi criado para restringir atividades como forma de antever um colapso do sistema de saúde. Ela reforçou o pedido para que a população fique em casa. — Outros Estados, como São Paulo, estão à frente em estágio, mas continuam acelerando em número de casos e de óbitos. Diminuiu o ritmo na cidade de São Paulo e na cidade do Rio de Janeiro, mas, no Interior, tem aumentado. Há um cluster de Estados que estão acelerando, mas, comparativamente, aceleram em taxa menor. Rio, São Paulo e Distrito Federal têm aumento de óbitos em fase crescente, mesmo estando algumas semanas à frente. É possível o Rio Grande do Sul ultrapassar? Olha, se todo mundo sair normal por aí, talvez, mas a condução de hoje é de manter protocolos — afirma Leany. Nesta terça-feira (14), Porto Alegre registrava 45,1% de distanciamento social, segundo a prefeitura. É abaixo da meta de 55% estabelecida pelo município.