Nesta quinta-feira (1º), é celebrado o Dia Mundial Contra a Aids. No entanto, os números da doença em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul não são animadores. Pelo contrário, os índices regionais seguem preocupantes, já que tanto o RS quanto a capital gaúcha apresentam dados piores do que a média nacional. Segundo novo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde (MS), o RS apareceu em quarto lugar no ranking dos Estados com mais casos confirmados de HIV em 2021, com 24,3 contaminados a cada 100 mil habitantes. Esse número segue, por mais um ano, acima da média nacional, que é de 16,5 a cada 100 mil.
Dados do boletim epidemiológico também apontam que, enquanto no Brasil a média é de 4,2 mortes a cada 100 mil habitantes com HIV, o RS é o Estado com o maior índice de mortalidade, com 7,7 óbitos/100 mil hab. em 2021. Já entre as capitais, Porto Alegre teve o pior índice, com 22,6 óbitos/100 mil hab., cinco vezes maior do que o coeficiente nacional.
Para Diego Falci, infectologista e professor da Escola de Medicina da PUCRS, a alta mortalidade se deve ao fato de muitos pacientes estarem em áreas de vulnerabilidade social e, com isso, não mantêm a adesão ao tratamento. Isso, segundo ele, também é um dos fatores que contribui para a transmissão.
— Porto Alegre tem muita disparidade econômica e as pessoas em vulnerabilidade social são mais afetadas. Também há a resistência ao uso do preservativo, uso de drogas injetáveis. Outro fator é a predominância do subtipo C do HIV nos Estados do Sul. Ele está mais associado à transmissão heterossexual e evolui mais devagar. Como a pessoa fica doente mais tarde, tem mais chances de passar o vírus — explica o médico.
Indetectável=intransmissível
Por muitos anos, ter o diagnóstico positivo do vírus causador da aids era considerado uma sentença de morte. Com o avanço dos tratamentos, um paciente soropositivo pode ter uma vida saudável hoje. Apesar de não haver cura, o tratamento é tão eficaz que, em muitos desses casos, a pessoa sequer tem a presença do vírus detectada no sangue.
Em Porto Alegre, Serviço de Atenção Terapêutica (SAT) atende cerca de 2 mil pacientes com HIV que recebem as medicações e frequentam regularmente os exames de rotina. Cerca de 80% dos atendidos são oriundos da Capital enquanto os demais vêm do Interior do RS. Como comprovação de boa resposta ao tratamento, cerca de 90% dos atendidos no local apresentam, atualmente, a carga viral indetectável no sangue.
Desse modo, uma pessoa que esteja há mais de seis meses indetectável e com tratamento mantido em dia não transmite mais o vírus, mesmo que tenha relação sexual desprotegida com um(a) parceiro(a) fixo(a), por exemplo. Nesse momento, o tratamento deixa a pessoa com a carga viral "I=I", ou seja, indetectável e intransmissível. É importante dizer, entretanto, que, por mais que o vírus fique adormecido com o uso dos remédios, não significa que o paciente estará curado. O HIV pode voltar a se replicar no corpo da pessoa caso o tratamento seja interrompido.
Muitas pessoas não conseguem falar sobre a sua sorologia com medo de não serem aceitos. Muitos têm dificuldades de ter relacionamentos e acabam solitários
De acordo com o Ministério da Saúde, todo portador do vírus da aids tem direito à assistência e ao tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sem qualquer tipo de restrição. No SAT, o kit com as medicações é retirado pelos cadastrados entre dois a três meses. A partir disso, é necessário tomar os medicamentos e fazer uma revisão clínica uma ou duas vezes ao ano.
O HIV utiliza as células de defesa do infectado para se multiplicar. Por isso, a principal função do kit é inibir essa reprodução, diminuindo a vida útil do vírus. Assim, a carga viral vai sendo reduzida até chegar em um estágio no qual os testes não detectam a presença ativa do vírus no organismo.
O acesso aos medicamentos e sua utilização correta aumentam a expectativa de vida de uma pessoa soropositiva e permitem que ela viva uma rotina saudável. Gina Hermann, 54 anos, assistente social aposentada, descobriu a doença há 17 anos. Hoje, atua como ativista estadual no Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas (MNCP), que apoia mulheres cis e trans portadoras do HIV. Para ela, o progresso no tratamento proporciona uma melhor qualidade de vida hoje em dia.
— Quando eu descobri a sorologia, a testagem demorava quase uma semana para ficar pronta. Agora, temos o resultado na mão, em menos de meia hora. Nós também tivemos avanços na medicação. Há 15 anos, eram 16 comprimidos difíceis de ingerir e de armazenar. Hoje, há pessoas que tomam apenas dois comprimidos. Então, o impacto que isso gera de efeitos colaterais é bem menor.
Profilaxia
Outro medicamento moderno que tem apresentado resultados positivos é a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), que consiste no uso oral e diário de dois medicamentos antiretrovirais em um único comprimido: o tenofovir (TDF) e entricitabina (FTC). Uma caixa do produto vem com 28 comprimidos.
A medicação está disponível de graça no SUS e é recomendada desde 2015 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a fabricante farmacêutica Blanver, o método tem reduzido a incidência de novos casos em até 62% nos últimos três anos.
A PrEP é prescrita para pessoas que tenham uma maior chance de entrar em contato com o HIV. Segundo protocolo do MS, as populações prioritárias são homens gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens, pessoas trans (mulheres transexuais, travestis, homens trans e pessoas não-binárias), profissionais do sexo e pessoas que estejam se relacionando com uma pessoa que tenha HIV.
Prevenção x preconceito
Desde 2015, o teste de HIV é considerado um exame de rotina pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Segundo Maria Letícia Ikeda, membro da Coordenação Estadual de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/Aids, as equipes do SAT utilizam o momento da testagem para incluir pautas sobre a prevenção e o aconselhamento. Por lá, os testes ocorrem no Centro de Testagem e Acolhimento (CTA).
— Nossa equipe procura escutar a pessoa para entender que tipo de exposição ao vírus ela teve para resolver buscar um teste. Dessa maneira, buscamos apoiar ela no contexto de risco que ela está. A pessoa não sai daqui sem que isso seja considerado. São situações psicossociais diferentes, alguma violência que ela pode estar sofrendo, entre outros motivos — explica a médica.
Toda testagem é oferecida gratuitamente sem necessidade de encaminhamento médico e todos os municípios gaúchos possuem ao menos um ponto de testagem rápida disponível. A recomendação é que as pessoas busquem orientação nos postos de saúde da sua cidade. No entanto, os profissionais do CTA concordam que ainda há resistência na procura pelo exame. Segundo Maria Letícia, as pessoas se sentem julgadas ao fazer o teste e o preconceito acaba sendo o fator que mais trava o processo de prevenção.
— Esse é um conceito superado e inadequado, preconceituoso. Quando se fala em grupo de risco, todo mundo que não se enxerga dentro dele, acha que está está fora de perigo. Além de estigmatizar aqueles que são incluídos no grupo de risco, desprotege as pessoas que se consideram fora dele. A epidemia de aids no RS é predominada por pessoas heterossexuais. Então, o risco não é do grupo (homossexual), mas da prática — afirma a profissional.
O preconceito em relação à aids está também no machismo. Segundo o MS, dos mais de 434 mil casos diagnosticados entre 2007 e 2022 no Brasil, 70,2% são homens 29,7% são mulheres. Contudo, um relatório do Programa das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids) apontou que, no ano passado, 80% das mulheres vivendo com HIV tiveram acesso ao tratamento contra 70% entre os homens. A explicação, segundo a Unaids, está no fato de a população masculina procurar menos a medicação.
Além da discriminação sofrida pela sociedade, Gina Hermann alerta para um sintoma muito comum entre os soropositivos, que é a dificuldade de autoaceitação.
— Temos o autopreconceito, que é um problema muito grande. No início, apesar de ter o acolhimento da família, eu não me aceitava e tinha vergonha. E a gente acaba replicando o pensamento da sociedade. Muitas pessoas não conseguem falar sobre a sua sorologia com medo de não serem aceitos. Muitos têm dificuldades de ter relacionamentos e acabam solitários — ressalta a ativista.
Novos tratamentos
Há cerca de um ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou um novo medicamento para o tratamento do HIV que consiste na junção de duas substâncias – a lamivudina e o dolutegravir sódico – em apenas um comprimido. A combinação reduz a quantidade de HIV no organismo e a mantém em um nível baixo, além de aumentar as células de defesa. O medicamento ainda não está disponível na rede pública
Em nota, a Anvisa afirmou para GZH que o produto passou ao monitoramento de farmacovigilância, que tem a função de captar novas informações após o início do seu uso no país e verificar se as informações de segurança e eficácia permanecem válidas. E, segundo a agência, o registro positivo do medicamento se manteve.
Depois da aprovação da bula pela agência, a combinação de medicamentos deveria ser encaminhada para avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que é a responsável pela inclusão de novas terapias e tratamentos na rede pública. No entanto, o MS informou que não há solicitações sobre essa medicação.
Ainda assim, o ministério reforçou que tanto dolutegravir 50mg quanto lamivudina 150mg já foram incorporados e estão disponíveis na rede pública de saúde de maneira separada. Atualmente, existem 22 medicamentos disponíveis gratuitamente no SUS em 38 apresentações farmacêuticas, como frascos, comprimidos, entre outros.
Onde fazer o teste
Em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos municípios gaúchos, são disponibilizados testes rápidos para HIV, sífilis e hepatites B e C.
Em Porto Alegre, também no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), que fica na Avenida Bento Gonçalves, 3722, bairro Partenon, em Porto Alegre