A Seara Alimentos Ltda, de propriedade da JBS, sediada em Três Passos, foi condenada, na segunda-feira, 22 de junho, a promover imediato afastamento - sem prejuízo da remuneração - dos empregados e trabalhadores terceirizados que forem confirmados como infectados pelo Covid-19, pelo período mínimo de 14 dias, orientando, ainda, para que estes permaneçam em isolamento social. Além disso, a empresa demandada deverá realizar, no prazo de cinco dias, testes para identificação da doença em todos trabalhadores, próprios ou terceirizados, observadas as condições adequadas de coleta, transporte, armazenamento e processamento de amostras, conforme bula, observada triagem médica apta a verificar a atual situação em que enquadrados os trabalhadores. A pena de multa diária é de R$ 30 mil quanto ao descumprimento desta determinação.
A decisão estabelece, ainda, obrigações de fazer e não fazer para contactantes assintomáticos de casos confirmados (especialmente no que diz respeito à testagem sequencial em dias alternados por RT-PCR, caso a exposição ao contato ocorreu em período menor que 7 dias) ou testagem sorológica (caso ocorreu em período superior) e assintomáticos não contactantes (teste sorológico, adoção de medidas de prevenção e orientações). A empresa terá que adotar, ademais, procedimentos de vigilância e busca ativa, medidas de rastreamento, triagem periódica e implementar rotina de testagem rápida sorológica (IGG/IGM) e teste molecular RT-PCR em trabalhadores que mantiverem prestação de trabalho presencial e desempenhem atividades em ambientes compartilhados, emitindo, inclusive, Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para todos os trabalhadores porventura contaminados.
Salvo o prazo para testagem dos trabalhadores, para as demais determinações, o cumprimento deve ser imediato, sob pena de multa no valor de R$ 2 mil para cada trabalhador afetado ou para cada descumprimento verificado. Registra-se que, em atividade na sede de Três Passos da empresa, são 1.017 empregados diretos beneficiados e, de forma indireta, a decisão beneficia toda a população do munícipio de Três Passos e região. A decisão incidental foi proferida pelo juiz titular da Vara do Trabalho três-passense, Ivanildo Vian. O magistrado também deferiu diversos outros pedidos em ação civil pública (ACP) ajuizada, em 3/4/2020, pelos procuradores Roberto Portela Mildner e Fernanda Alitta Moreira da Costa, ambos lotados no MPT em Santo Ângelo, unidade administrativa com abrangência sobre o município de Três Passos. Em 18/5/2020, o MPT já havia obtido o deferimento de pedido de tutela de urgência antecipatória contra a empresa em mandado de segurança. Nessa decisão, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) determinou que a empresa se abstivesse, imediatamente, de praticar atividades extraordinárias aos seus trabalhadores, enquanto perdurar a pandemia de Covid-19.
Histórico
O procurador Roberto informa que a petição inicial foi instruída com documentos fornecidos pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Frederico Westphalen e Região (STIA-Fred), Edilson Sarmento. O dirigente denunciou que a JBS havia convocado, sem adoção de condições adequadas para evitar a contaminação à Covid-19, os trabalhadores para atividade extraordinária nos dias 4 e 25/4, não observando a Recomendação do MPT já enviada à empresa pela Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do RS (FTIA-RS). O STIA solicitou, em 31/3/2020, cancelamento das atividades extraordinárias agendadas, por orientação da FTIA, embasada na Recomendação do MPT. Mesmo assim, a planta realizou os abates extraordinários de 1.500 suínos em cada um dos dias.
As fotos fornecidas presidente do STIA, que esteve presente na JBS no primeiro dia de abate extra, "evidenciavam de forma clara que a empresa não estava adotando medidas mais básicas de proteção à contaminação ao Covid-19. Isso se comprovou com aglomerações de trabalhadores, não sendo respeitado distanciamento mínimo no setor de produção e, especialmente, nas pausas de repouso térmico (todos fica-ram juntos, sem máscaras, conversando), não foram disponibilizadas máscaras e, segundo verificado, in loco, pelo Sindicato, quando os trabalhadores chegaram ao trabalho, não foi feita nem mesmo a usual medição da temperatura corporal", explicou o procurador. Depois de saber das fotos, a JBS proibiu os representantes da entidade sindical de realizar novos registros, "configurando não somente abjeta prática antissindical, mais tentando esconder as reais condições em que laboravam os trabalhadores", afirmou Roberto.
O MPT havia requisitado, com fito de verificar as reais condições de trabalho, realização de ação fiscal à Gerência Regional do Trabalho de Santo Ângelo, a qual respondeu, em 20/4/2020, que não dispunha de equipamentos de proteção individual (EPIs) para os auditores-fiscais inspecionarem in loco o frigorífico. Em paralelo, o MPT solicitou realização de inspeção ao Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) Macronorte. Grupo multidisciplinar compareceu às instalações da Seara, em 29 e 30/4. Minucioso Relatório elaborado pela equipe técnica constatou que a ré ainda não havia implementado a contento diversas medidas protetivas.
Acresce-se, ainda, que, na data de 18/5/2020, a empresa restou condenada pelo TRT4 em mandado de segurança a se abster de praticar atividades extraordinárias, enquanto perdurar a pandemia de Covid-19, bem como a adotar outras 36 medidas protetivas na sua rotina de trabalho diário. Destaca-se: desenvolver plano de contingenciamento e/ou prevenção de infecções e transmissibilidade, observadas as normas sanitárias federais, estaduais e municipais, além das Recomendações da Organização Mundial da Saúde, mediante adoção de medidas de controle de cunho administrativo ou estrutural para evitar a exposição indevida ao risco de contágio dos trabalhadores no ambiente de trabalho, próprios ou terceirizados, e assim, também a propagação dos casos para a população em geral, devendo o referido plano conter as seguintes medidas – prazo de 5 dias a contar da ciência da decisão. Outro destaque é para: implantar medidas de vigilância ativa e passiva recomendadas pelas autoridades sanitárias nacionais e internacionais, com vistas à identificação precoce de sintomas compatíveis com a Covid-19 (sintomas respiratórios, tosse seca, dor de garganta ou dificuldade respiratória, acompanhada ou não de febre e ou sintomas gripais), e garantir o imediato afastamento, sem prejuízo da remuneração, de todas as pessoas trabalhadoras com sintomas até submissão a exame específico que ateste ou não a contaminação – prazo de cinco dias a contar da ciência da decisão.
Na data de 1/6/2020, os auditores da Gerência Regional do Trabalho em Emprego (GRTE) de Santo Ângelo foram inspecionar o estabelecimento investigado e constataram diversas irregularidades, demonstrando o não cumprimento da decisão judicial por parte da empresa. Nesta terça-feira (23/6), infelizmente, foi noticiado o primeiro óbito de um trabalhador atuante no frigorífico demandado.