02/11/2024 às 09h56min - Atualizada em 02/11/2024 às 09h56min

Seis meses após pior cheia da história, Vale do Taquari luta para superar as marcas da tragédia

Gaucha ZH
Jefferson Botega / Agencia RBS
Meio ano depois da pior cheia já registrada no Vale do Taquari, completado na sexta-feira (1º), a região se esforça para se livrar das cicatrizes deixadas pela enxurrada que destruiu casas, prédios públicos, estradas, pontes e deixou pelo menos 46 mortos.
Em algumas das cidades mais atingidas, ao mesmo tempo em que persistem casas abandonadas e acúmulo de entulho em terrenos varridos pelo aguaceiro, novas moradias começam a ser erguidas, pontes passam por reparos e negócios reabrem as portas.
O governo federal destinou cerca de R$ 2,5 bilhões até o momento para a região, conforme a Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul. O governo gaúcho enviou ou garantiu outros R$ 146 milhões a oito dos municípios mais afetados por meio de projetos do Plano Rio Grande e encaminhou mais R$ 50,8 milhões diretamente às prefeituras, mas o trabalho de recuperação ainda deverá se estender por meses.
Se a água recuou, os sinais da inundação seguem por toda a parte. Já na chegada a Lajeado pela BR-386 é possível testemunhar um dos impactos duradouros da enchente que elevou o nível do Taquari a mais de 30 metros no primeiro dia de maio e configurou a pior cheia já vista no vale. Como a fúria da correnteza afetou as fundações da ponte sobre o rio, a pista teve de ser reduzida enquanto são realizados serviços de reforço. Em razão disso, às 10h30min de terça-feira (29), o engarrafamento exigia quase meia hora dos motoristas para vencerem um trecho de apenas dois quilômetros.
Um pouco mais ao norte, no limite com Arroio do Meio, outra ponte fundamental para o tráfego regional está em reconstrução. Enquanto os restos da estrutura da RS-130 restam caídos sobre o leito do Rio Forqueta, uma nova passagem está sendo erguida com cinco metros de altura e 172 metros de comprimento a mais do que a anterior. Foi concluída há pouco a etapa de colocação de estacas fora do leito do rio, e a previsão da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) é de entregar a obra no final do ano. Até lá, os condutores precisam utilizar a antiga Ponte de Ferro que só permite a passagem de veículos em sentido único, alternado pela ação de uma sinaleira.
Na vizinha Arroio do Meio, em Muçum, Roca Sales e Cruzeiro do Sul, o cenário é semelhante: ruas e calçadas estão limpas e desimpedidas, mas exibem irregularidades na pavimentação e no calçamento em pontos onde a passagem da água foi mais forte. Se a maior parte dos prédios e casas foi desinfetada e reaberta, também há imóveis que permanecem semidestruídos nas zonas urbana e rural.
Um desses prédios-fantasma, em Roca Sales, é a Escola Estadual Padre Fernandes. Onde circulavam diariamente quase 300 alunos, se veem apenas lama, cadeiras empilhadas e janelas quebradas.
Em compensação, novos empreendimentos abrem as portas. Junto à entrada de Roca Sales, um dos locais mais devastados pela inundação, o empresário Paulo César Rodrigues decidiu dobrar a aposta na recuperação do município. Dono de um bazar, resolveu abrir uma cafeteria junto de uma sócia em um espaço de 300 metros quadrados. Com obras avançadas, prevê inaugurar o café neste mês.
— Medo sempre existe. Mas prefiro arriscar do que passar todo dia por aqui e pensar que isso poderia ter sido meu — explica Rodrigues.
O empresário tomou precauções. As estruturas são todas de alvenaria, incluindo o balcão principal, para resistirem a uma nova cheia. Mesas, freezers e o forno podem ser facilmente retirados e deslocados a um ponto seguro.
— Peço que nunca mais aconteça o que houve aqui, mas temos de estar preparados para uma nova realidade — complementa Rodrigues, 46 anos.
Em Arroio do Meio, há um mês e meio reabriu um dos símbolos da resistência gaúcha diante da intempérie: o restaurante Casa do Peixe, localizado em um casarão com paredes maciças de 60 centímetros de espessura que foi a única construção a resistir à enxurrada em um raio de várias quadras no bairro Navegantes. Na janela do segundo andar, continua tremulando uma bandeira do Rio Grande do Sul.
— O movimento está até melhor do que antes. Em vez de a gente agradecer, as pessoas é que nos agradecem pelo fato de não termos desistido. Recebemos tantas flores que daria para abrir uma floricultura — brinca o proprietário Darcísio Schneider.
Dos R$ 2,5 bilhões destinados pela União ao vale, R$ 552,7 milhões foram repassados como ajuda a moradores, antecipação de benefícios e auxílio-reconstrução, outros R$ 691,4 milhões foram oferecidos como crédito e prorrogação de tributos para empresas, e R$ 1,3 bilhão correspondem a repasses (efetivados ou garantidos) aos municípios — em defesa civil, assistência social, educação, saúde e previsões de obras a serem realizadas pelo novo PAC.
Apesar da verba já distribuída ou reservada para desembolso, o ritmo de construção de novas moradias ainda é lento. Em Muçum, as primeiras 13 casas definitivas devem ser entregues em dezembro mediante parceria com a iniciativa privada. Localizadas na parte alta da cidade, são feitas de madeira.
Em Encantado, as primeiras residências permanentes erguidas com auxilio do Piratini devem receber moradores nas próximas semanas. O programa estadual A Casa é Sua – Calamidades prevê 422 casas definitivas no Vale do Taquari mediante investimento de R$ 58,7 milhões.
Unidades prometidas pelo governo federal estão, sem sua maioria, em estágio inicial. Por vezes, como em Roca Sales, precisam superar etapas burocráticas para serem erguidas. A prefeitura atualmente aguarda liberação dos projetos na Caixa Econômica Federal.
— Temos muitos problemas de infraestrutura, que vamos executando aos poucos. Avançamos em algumas coisas, mas há outras em que precisamos avançar mais para ter novamente uma cidade normal — avalia o prefeito de Roca Sales, Amilton Fontana.
O cenário da recuperação nos municípios
Veja mais detalhes de como está a retomada em algumas das principais cidades do Vale do Taquari
Muçum
Infraestrutura: em obras de restauro de vias no interior e na zona urbana. A recuperação da tradicional ponte Brochado da Rocha deve ficar pronta entre o fim de dezembro e o começo do ano que vem. A reconstrução da RS-129, onde se abriu uma cratera, segue em execução e deve ser concluída em novembro.
Moradia: foram adquiridas três grandes áreas para construção de novas moradias definitivas — as primeiras 13 casas devem ser entregues até o final de dezembro. Outras 50 em março de 2025. Mais 80 famílias deverão ser contempladas em terrenos que estão em fase de implantação de infraestrutura por meio de parceria com o governo estadual. Por fim, um outro espaço com cerca de 220 lotes está em fase de supressão de vegetação e terraplenagem para receber imóveis financiados com recursos da Defesa Civil nacional e da iniciativa privada.
Roca Sales
Infraestrutura: prosseguem serviços de melhorias em acessos entre a zona central e o interior do município. De acordo com a prefeitura, há nove pontes que continuam em construção. O prefeito Amilton Fontana sustenta que ainda há "vários problemas de infraestrutura" que seguem sendo resolvidos "aos poucos". Um dos entraves é a demora para análise dos projetos a fim de liberação de recursos.
Moradia: conforme Fontana, ainda não foram entregues novas moradias definitivas para atingidos pela enchente no município:
— Devem começar agora, no final do mês de novembro, 50 unidades com o Estado. As do governo federal ainda não temos aprovação da Caixa Econômica Federal, então ainda deve demorar um pouco. Temos 110 famílias que estão recebendo aluguel social.
Cruzeiro do Sul
Infraestrutura: obras de recuperação em fase inicial, como a Rua Emílio Treter Sobrinho e a Praça Dona Laura. Estão para serem lançados editais de licitação das escolas Arthur Eckert e Jacob Sehn. Três pontes danificadas ainda estão em fase de elaboração de projeto, e devem ir para licitação até o final de novembro. Também deverá ser publicado em breve edital para restabelecimento do parque poliesportivo e de pavimentação da rua central e de calçadas próximas. Recursos virão do governo federal, com contrapartidas municipais.
Moradia: no começo de setembro, a cidade recebeu 28 moradias provisórias e solicitou mais 35 imóveis temporários. Com esse acréscimo, seria possível desmobilizar o abrigo montado para 36 famílias no ginásio do clube 15 de Novembro (uma família receberia auxílio para aluguel). Há dois terrenos sendo preparados para a construção de 123 moradias definitivas em parceria com o governo estadual. Foram concedidos cerca de 90 aluguéis sociais.
Encantado
Infraestrutura: em andamento obras como a construção de uma nova ponte na Linha Auxiliadora e a reforma do posto de saúde de Jacarezinho. Creches e a escola Navegantes seguem em reparos. A prefeitura espera contar com a Navegantes para o início do próximo ano letivo. Também estão em realização recuperação de asfalto e de galerias subterrâneas, entre outras ações de infraestrutura.
Moradia: há cerca de 570 casas com projetos aprovados ou que entraram em execução. A maioria, porém, ainda não saiu do papel. Conforme o prefeito Jonas Calvi, 35 moradias em parceria com o governo estadual estão em obras e devem começar a ficar prontas em novembro. Em agosto, o Piratini entregou na cidade 30 casas provisórias. Ainda não há imóveis concluídos com recursos do governo federal.
Lajeado
Infraestrutura: já foram concluídos serviços como desobstrução e limpeza de espaços públicos, recuperação de parques e praças, reconstrução da Ponte de Ferro (rumo a Arroio do Meio) para veículos leves, com via alternativa para veículos pesados. Seguem em andamento recuperação de vias internas, construção da ponte na RS-130 sobre o Rio Forqueta, reparos na ponte da BR-386 sobre o Rio Taquari. Aguardam recursos outras iniciativas, como construção de duas escolas para substituir prédios atingidos.
Moradia: foi garantido aluguel social para mais de 800 famílias, o que permitiu encerrar os abrigos públicos no final de julho. Está em fase de aquisição, preparo de terreno ou início de construção a maior parte das cerca de 400 moradias novas em parceria com Estado ou União. Algumas unidades, entre 16 previstas por acordo com a iniciativa privada, estão prontas, mas ainda não foram ocupadas. Outras 300 residências do Minha Casa, Minha Vida Calamidade foram autorizadas pelo governo federal mediante aquisição direta pela Caixa.

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