06/08/2024 às 10h32min - Atualizada em 06/08/2024 às 10h32min

Ex-MST, vida da atleta olímpica Valdileia Martins daria um filme

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Instagram/Valdileia Martins
A trajetória de superação de Valdileia Martins, atleta olímpica brasileira de 35 anos, está a espera de um roteirista e um diretor de cinema. Nascida em um assentamento do MST no Paraná, Val, como chamaram narradores, ou Leia, como dizem os mais próximos, chegou à final olímpica no salto em altura superando sua marca pessoal e muito muito mais. Valdileia enfrentou preconceito e desafios financeiros, mas com apoio da família, perseverou. Na sexta-feira (2/8), saltou 1,92m nas eliminatórias dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, igualando o recorde brasileiro do salto em altura e se tornando a primeira finalista brasileira na modalidade desde 1968.
Do assentamento ao palco olímpico
Difícil imaginar após seu desempenho recordista, mas ela começou sua trajetória treinando salto sobre vara de pescaria e caindo em sacos com palha de arroz, improvisados pelo pai, Israel Martins, que sonhava com a formação de atletas no assentamento Pontal do Tigre. Mesmo com esse improviso, ela ganhou os Jogos Escolares do Paraná em 2003, o que fez o governo do Estado doar equipamentos para o assentamento. Foi só quando conseguiu o colchão adequado é que passou a fazer o "flop", o tradicional salto de costas. Até então, com medo de se machucar, ela saltava de frente, procurando cair de pé.
Vendo a aptidão da menina, o pai a transferiu para a Escola de Agroecologia do MST em Maringá, cidade não tão distante do Pontal do Tigre, que tinha uma estrutura melhor para formar uma atleta. Com isso, ela demonstrou alto rendimento. Foi vice-campeã brasileira sub-20 aos 17 anos, prata no Sul-Americano da mesma categoria aos 18 e começou a ser beneficiada já na primeira lista do Bolsa Atleta implantado pelo governo Lula em 2005 — o que a ajudou a viver de atletismo.
O limite aparente
Os treinadores a orientaram a buscar aprimoramento em São Paulo, onde entrou no Projeto Futuro e, aos 20 anos, ao time BM&F, de São Caetano do Sul (SP), dos melhores do atletismo brasileiro. Entretanto, ela atingiu o que parecia ser seu limite em 2010, ao saltar o máximo de 1,83m. Ficou sem chegar acima de 1,88m até 2016, o que só voltou a repetir novamente em 2022. Era o suficiente para ganhar o Troféu Brasil, medalhar em Campeonatos Sul-Americanos, disputar os Jogos Pan-Americanos, mas não para chegar aos Jogos Olímpicos ou ser a melhor da América do Sul.
Inconformada, ao se aproximar dos 30 anos e deixar de ser uma "jovem atleta promissora", ela ingressou na Força Aérea Brasileira (FAB), onde atualmente possui a patente de 3º sargento. Sua decisão de entrar para as forças armadas foi motivada tanto pela estabilidade financeira quanto pela oportunidade de continuar treinando e competindo em alto nível.
Superando o próprio corpo
Ela se esforçou muito para superar seu limite, e por conta disso foi além do que podia e precisou enfrentar duas cirurgias no joelho, que atrapalharam seus objetivos. Ela passou a chorar de dor nos treinamentos e o pai chegou a perguntar se não era melhor parar. Seu treinador, porém, a incentivou a dar ainda mais e mostrar do que era capaz.
Após um resultado decepcionante no Pan de 2023, quando ficou em 5º lugar, ela resolveu mudar radicalmente sua preparação física e mental. Foi atrás de nutricionista e psicóloga, que pagou do próprio bolso. Começou a fazer suplementação e reduziu em 4 quilos o peso corporal, obtendo a evolução que precisava.
Ela finalmente chegou ao salto de 1,90m, o maior de sua carreira, em abril deste ano no III Desafio CBAt/CPB, realizado no CT Paralímpico de São Paulo. Mas isso foi só o começo. Na estreia olímpica em Paris, na manhã de sexta (2/8), ela alcançou 1,92m, igualando o recorde brasileiro.
Luto e a força para continuar
Contudo, essa conquista não foi sem novos baques. Seu pai e grande incentivador faleceu por um infarte fulminante na segunda-feira (29/7), na terra que recebeu da reforma agrária em 1998. Valdileia recebeu a notícia durante um dos primeiros treinos em Paris. Em entrevista, ela contou que chorou muito, pensou em largar tudo e voltar ao Brasil, mas a família não deixou. Ela retomou os treinos e pensou no pai para obter a classificação. "Meu pai sempre acreditou em mim. Agora, tudo que faço é por ele", compartilhou a atleta ao jornalista Demétrio Vecchioli, do blog Olhar Olímpico, responsável por trazer sua história à público.
Foi a morte do pai que a inspirou a contar sobre as origens de sua trajetória no atletismo. Tímida e avessa à entrevistas, ela nunca tinha falado sobre o começo da carreira num assentamento do MST, nem mesmo para seu treinador atual, com quem trabalha há quase uma década. Disse que, quando as pessoas descobriam, ela sofria preconceito. Na adolescência, isso a tornava alvo de piadas dos colegas de escola.
 Ao compartilhar a história, seu técnico atual, Dino Cintra, descobriu que foi professor de seu primeiro treinador no assentamento, marcando um ciclo completo até sua chegada a Paris - onde igualou o recorde brasileiro de Orlane Maria dos Santos, que perdurava desde 1989, ano em que Valdileia nasceu.
Mais um obstáculo para saltar
Em Paris, ela tinha duas metas, conforme contou para o pai antes de ele morrer: chegar à final olímpica e bater o recorde brasileiro. Atingiu as duas com a melhor marca de sua carreira, 1,92m. Só que, ao tentar o 1,95m nas eliminatórias, sofreu uma entorse no tornozelo. Por isso, ainda não sabe se este foi o final de sua história na competição. Mesmo assim, ela gostaria de realizar outro sonho.
 
"Domingo não vou limitar. Só Deus sabe como vou estar, mas tudo tem um proposito. Acredito que consiga ainda competir, e tenho o sonho de ser medalhista olímpica", ela mencionou.

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