Na última semana, a Operação Escafandria da Polícia Federal mirou uma organização criminosa especializada em remeter drogas para o Exterior por via marítima. O Porto de Rio Grande, assim como o de Paranaguá, no Paraná, era utilizado pelo grupo, segundo a investigação, como local para inserção dos entorpecentes por mergulhadores nos cascos dos navios. Essa é uma estratégia que vem sendo usada pelos traficantes para tentar driblar a fiscalização. Nos últimos três anos, duas toneladas de cocaína foram apreendidas no porto localizado no sul do RS.
Os dados são da Polícia Federal, mas representam apreensões realizadas também pela Receita Federal e Brigada Militar. O maior volume de cargas apreendidas se deu em 2021, com 1.713 quilos localizados. Em junho daquele ano, um carregamento de 1,1 mil quilos de cocaína foi descoberto pela Receita Federal num contêiner, que seria exportado para a Bélgica. Durante a fiscalização com scanner e cão farejador, a carga foi identificada como suspeita. Quando os fiscais abriram o contêiner, encontraram 34 bolsas de cocaína. A apreensão foi considerada pela Receita Federal como a maior da história do Porto de Rio Grande. No ano seguinte, o volume de cargas apreendidas no porto caiu consideravelmente, para 136 quilos.
— Essa variação do volume de apreensões não aconteceu só aqui, e sim a nível nacional. Isso tem a ver com o modus operandis. Antes, as drogas eram inseridas em contêineres que eram contaminados fora do terminal e já entravam carregados. Havia um grande risco porque em Rio Grande, por exemplo, há scanner. E muitas cargas foram apreendidas assim. Então tiveram que mudar um pouco a tática — explica a chefe do Núcleo Especial de Polícia Marítima em Rio Grande, também à frente da Coordenação Estadual de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis no RS e delegada da Polícia Federal, Janaína Agostini Braido.
A série de medidas implantadas para intensificar a fiscalização, como uso de câmeras, na visão da PF, ajudou a reduzir o ingresso de carregamentos de drogas no porto. Por outro lado, os grupos criminosos passaram a investir em novas técnicas. Em 2022, os 136 quilos de cocaína apreendidos foram localizados numa única ação. A PF descobriu, com auxílio da Marinha, uma carga em um navio atracado em Rio Grande. Vinda da Argentina, a embarcação tinha como destino Las Palmas, na Espanha. A droga foi encontrada submersa num compartimento do navio que fica sob a linha d’água, chamado de caixa de mar.
Mergulhadores
No ano passado, quando foram descobertos no total 345 quilos de cocaína no Porto de Rio Grande, a maior apreensão também se deu por essa técnica de inserir as drogas na caixa de mar de um navio. A PF e a Marinha do Brasil apreenderam 206 quilos do entorpecente. O navio teria como destino final o Porto de Setúbal, em Portugal. Além da droga, foram apreendidos cinco rastreadores encontrados no interior de cada uma das bolsas.
Essa estratégia é a mesma combatida por meio da Operação Escafandria, que prendeu nove pessoas no Brasil e uma na Alemanha. Entre os presos, estão três mergulhadores do Paraná, que seriam responsáveis por fazer a contaminação do navio com as drogas. Nessa modalidade, os mergulhadores se aproximam pelo canal em pequenas embarcações, à noite, sem iluminação. A certa de distância do navio, eles mergulham e seguem até a embarcação para a inserção das drogas nas caixas de mar.
— São pessoas contatadas pelas organizações criminosas, que geralmente não têm nada a perder. É uma atividade de alto risco. Para fugir das fiscalizações, mergulham à noite, com visibilidade muito baixa, e correnteza forte. Tudo isso coloca os mergulhadores em risco. Além disso, se a caixa de mar estiver no sistema de puxar água, ela pode sugar o mergulhador. Essa é considerada a modalidade mais perigosa, com risco de morte dos envolvidos — explica a delegada.
Com a mudança de estratégia dos traficantes, o foco das investigações neste momento é o destino dos navios. A Europa, onde o quilo de cocaína chega a ser adquirido a 60 mil euros, é o principal destino da droga remetida pelo porto no sul do RS. Outra estratégia detectada pela PF como usada pelos traficantes é a de remeter o carregamento para portos africanos na tentativa de evitar a fiscalização europeia. E, de lá, em pequenas embarcações ou por terra o grupo faz a travessia da droga até os países europeus.Existem outras modalidades de inserção de drogas pela via marítima. Uma delas é chamada de parasita, na qual estruturas metálicas são afixadas ao navio, junto ao casco, onde são transportadas as drogas. No entanto, em razão da correnteza, muitas vezes os traficantes acabavam perdendo os equipamentos e cargas. Outra delas envolve o içamento dos entorpecentes para dentro do navio a partir de pequenas embarcações. Neste último método, no entanto, há necessidade de cooptação de alguém da tripulação.