Camila Hermes A grande maioria das pessoas não gostaria de ver seu lixo boiando nos rios e arroios da cidade. No entanto, muitas ainda têm dúvidas sobre o que fazer com cada item descartado, para que ele não tenha esse fim. Os caminhos das boas práticas de gestão dos resíduos podem parecer complexos, mas, se bem executados, têm a capacidade de reduzir a quase nada o que vai parar em lugares inadequados e aterros sanitários, que poluem lençóis freáticos e aquíferos subterrâneos.
Respondendo à pergunta do título, não é possível reduzir em 100% o descarte gerado em casa que é considerado rejeito, ou seja, que não pode ser reaproveitado de nenhuma forma – o conceito “lixo zero” dá conta da busca pelo maior aproveitamento e melhor encaminhamento possível dos resíduos, que se aplica a 90% dos itens descartados, segundo especialistas.
Os 10% restantes são compostos, em sua maioria, pelo lixo do banheiro. Restos de comida, roupas, cápsulas de café, esponjas de louça, óleo de cozinha, aparelhos eletrônicos, tudo isso pode encontrar o seu destino.
No dia 22 de janeiro, o Boticário lançou o projeto Extinto, para chamar a atenção para o cheiro que teria a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, caso não fosse poluída. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), essa baía oceânica, de 380 quilômetros quadrados de extensão, recebe 98 toneladas de lixo por dia.
Na campanha, a empresa de cosméticos desenvolveu um perfume, que não será comercializado, formulado a partir das moléculas de odor capturadas em Sinal do Vale, localidade fluminense onde há uma parte preservada da Baía de Guanabara.
— A gente pode tapar o nariz para não sentir o cheiro de um lugar poluído que está morrendo, mas ele não vai deixar de estar morrendo. Hoje, aproximadamente 220 mil toneladas de resíduos são descartadas por dia. Desse número, mais ou menos 4% têm destino correto. É muito pouco. E eu não sei se vocês já pararam para pensar onde os 96% que a gente não destina corretamente vão parar — sinaliza Marcela de Masi, diretora de branding e comunicação do Boticário.
Cada um pode fazer a sua parte
Para que o resíduo não vá para aterros ou locais inadequados e possa ser reaproveitado, o primeiro passo é o mais simples: separar o lixo seco do orgânico e descartar cada saquinho no dia e horário corretos da semana. Em Porto Alegre, essa informação pode ser consultada neste link. Quem vive em cidades sem coleta seletiva deve buscar cooperativas próximas ou contratar serviços especializados.
A plataforma de gerenciamento de resíduos sólidos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) indica que menos da metade (45%) dos municípios gaúchos tinha coleta seletiva em 2021. Embora baixo, o número é positivo no cenário nacional – conforme a edição mais recente do Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, o Estado recolheu 56,4 kg de materiais recicláveis por habitante em 2020, contra uma média de 5,3 kg por habitante no Brasil nesse período.
Por lei – no caso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos –, a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos envolve todo mundo: fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, mas, também, consumidores, além dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos. É por isso que o cidadão que realiza o descarte incorreto pode ser autuado. O risco de multa, contudo, nem sempre muda a mentalidade das pessoas.
— O primeiro passo é muito uma mudança individual, de dentro para fora. Por mais que nós, como organismo de educação, ativistas e educadores ambientais, falemos milhões de vezes, de diversas formas sobre isso, as pessoas têm que se sentir sensibilizadas e se motivarem a dar esse primeiro passo, querer essa mudança, tomar a consciência do que precisa ser feito — observa Lucas Fontes, que é empreendedor social, educador ambiental e foi um dos criadores da Green Thinking, rede multidisciplinar que desenvolve programas de sustentabilidade voltados para comunidades, governos, ecossistemas de inovação e organizações.
Compostagem de orgânicos até em apartamento
Para que o material seja de fato reciclado, é importante que os objetos estejam secos e limpos, sem restos orgânicos. Por exemplo: antes de ser descartado, um pote de iogurte precisa ser lavado. Mas a reciclagem é só um dos caminhos possíveis para os resíduos. Para os restos de comida, mesmo em apartamentos é possível adotar composteiras orgânicas, que, com os devidos cuidados, não deixam nenhum cheiro no ambiente.
— A compostagem é um processo ancestral, milenar, que está sendo recuperado com novas tecnologias e ferramentas. Ela ainda enfrenta um preconceito muito grande com o desconhecimento das pessoas, mas ela não dá cheiro nem trabalho: é um organismo vivo, e a natureza é perfeita. Se você mantém a mistura equilibrada, ela não dá cheiro, não dá bichinho e vai decompor a matéria orgânica no seu tempo natural — explica Fontes.
Há diferentes métodos possíveis de se criar uma composteira, que, normalmente, envolvem destinar um recipiente para aquilo, no qual os restos de alimentos são misturados a terra ou serragem, e podem ter minhocas, que ajudam na decomposição. Em espaços pequenos e em ambientes fechados, no entanto, nem sempre será possível jogar matérias que exigem mais tempo para decomposição, como a carne e refeições cozidas ou muito temperadas. Por isso, têm surgido iniciativas como a Minhoca Urbana e a Ahimsa, nas quais, mediante um pagamento mensal, empresas realizam de uma a duas vezes por semana a substituição de baldinhos para esses resíduos – você entrega recipiente cheio com os alimentos e a serragem e o troca por um vazio e higienizado.
No ano passado, um projeto de lei foi aprovado, em Porto Alegre, instituindo a Política de Criação de Composteiras. Voltada para parques com pelo menos 10 hectares de dimensão, a iniciativa prevê a instalação de composteiras nesses espaços, que receberão os resíduos sólidos orgânicos recebidos naquele próprio espaço, como folhas e galhos, por exemplo.
Para quem faz a poda em sua residência, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) recebe esses materiais em ecopontos espalhados pela cidade, que também recolhem madeira, móveis velhos, colchões, terra, entulho, caliça, cerâmica, sucata de ferro, eletrodomésticos, óleo de fritura, resíduos eletrônicos e outros materiais que, muitas vezes, são descartados irregularmente em locais públicos. Os endereços estão neste link.
A redução do volume do que se joga fora passa, ainda, por um consumo mais consciente. Para além da preocupação com o meio ambiente, diminuir o uso da energia elétrica, da água e do gás e evitar desperdícios nas compras no supermercado traz economias consideráveis no final do mês. Instalar painéis fotovoltaicos e cisternas de captação de água da chuva também é uma boa opção de busca de elementos renováveis e redução, a longo prazo, de custos.
Nos anos 1980, era comum fazer o que pode ser considerado o primórdio da logística reversa, com a troca, em supermercados, de garrafas de vidro de cerveja e refrigerante por recipientes cheios e um consequente desconto para isso. Foi, contudo, nos últimos 20 anos – após a sanção da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 1998 – que a prática se estruturou e ganhou força. Hoje, há programas de devolução de medicamentos vencidos, pilhas, esponjas de lavar louça, cápsulas de café, tampinhas de plástico, lâmpadas, embalagens, roupas, óleo de cozinha, resíduo eletrônico e muitos outros materiais.
Há modalidades de diferentes tipos, dentro do fluxo da logística reversa, que significa, em suma, que o produto retorna ao seu produtor. Algumas empresas recebem exclusivamente materiais da sua própria marca; outras, porém, oferecem pontos de coleta de diferentes resíduos. Muitas dão descontos e bonificações pelas entregas. O Boticário, por exemplo, recebe embalagens de cosméticos de qualquer marca em todas as suas lojas. Ao entregar três recipientes ou mais, o cliente recebe um cupom de R$ 15, que pode ser usado em uma compra de, no mínimo, R$ 150.
A Natura tem um programa parecido, que recebe qualquer embalagem de cosmético. O desconto de 10%, no entanto, só é oferecido para pessoas que apresentarem cinco ou mais recipientes das marcas do grupo. Já a CEEE Equatorial trabalha com a iniciativa E+Reciclagem, que troca resíduos de papel, plástico, eletrônico, metal, vidro e óleo de cozinha por desconto na conta de energia elétrica. Também é possível doar o bônus a uma entidade filantrópica. Em Porto Alegre, há um ponto de coleta no Bourbon Assis Brasil.
Outras empresas também têm programas de logística reversa sem a oferta de descontos. Alguns deles têm o apoio da TerraCycle e podem ser conferidos neste link. Os pontos de coleta de cápsulas de café de qualquer marca, organizados pela Três Corações, estão neste mapa. No caso de medicamentos vencidos, muitas farmácias estão credenciadas no programa Descarte Consciente. Os pontos de coleta podem ser verificados aqui.
Especializada em economia circular, conceito que abrange a logística reversa, a empresa Arco Resíduos foca seu trabalho na gestão de resíduos de empresas. Em parceria com cooperativas e unidades de triagem, a startup tem pontos de coleta de diferentes materiais, muitos deles em bares e restaurantes, mas também em condomínios, a fim de facilitar que os produtos tenham um destino correto.
— Aqui em Porto Alegre, segundo o DMLU, só 5% dos resíduos chegam a uma cooperativa. Os outros vão direto para o aterro sanitário, sem ter chance de ser triado ou reciclado. Quando tu não coloca o reciclável no ponto de coleta no horário certo, a chance de ele ir para um aterro é grande. Há programas específicos de logística reversa, mas separar os recicláveis dos não recicláveis é o mínimo que o cidadão precisa fazer — pontua Natalia Pietzsch, cofundadora da Arco.
A empresa tem um programa chamado #VemDeLong – uma referência a longnecks –, de coleta de garrafas de vidro. O material é facilmente reciclável, mas sua logística até chegar aos pontos de reciclagem é desafiadora, já que seus resíduos são volumosos, pesados, podem quebrar e machucar pessoas.