26/10/2023 às 11h06min - Atualizada em 26/10/2023 às 11h06min

Primeira derrota do Flamengo com Tite serve para lembrar que o futebol não tem solução mágica.

Ge.Globo.com
Foto: Pedro H. Tesch/Getty Images

Há um caráter pedagógico na derrota do Flamengo em Porto Alegre: lembrar que o futebol até produz exemplos de trocas de treinadores que geram transformações imediatas e duradouras, mas a realidade é que estes episódios são exceções. Cada um dos problemas exibidos pelo time rubro-negro na noite de quarta-feira remetem a questões que acompanharam o time ao longo de toda a temporada. Não seriam duas semanas e três jogos com Tite que fariam todas elas desaparecerem.
No fundo, quase todas as dificuldades deste Flamengo se resumem em uma palavra: equilíbrio. Ao longo de todo o ano, reunir em campo a melhor qualidade técnica individual deste elenco não resultou em competitividade e solidez defensiva. Por outro lado, a ampliação da capacidade de competir, do vigor e da segurança da equipe, terminaram por gerar um time ofensivamente menos agressivo.
O primeiro tempo do Flamengo, com Thiago Maia e Pulgar à frente da linha defensiva, foi de estabilidade. No entanto, havia uma vantagem que o time só conseguiu explorar por cerca de 15 minutos. O Grêmio marca por encaixes quase que individuais, e fazia os volantes Villasanti e Pepê cuidarem de Maia e Pulgar. Com isso, os quatro homens ofensivos do Flamengo – Gérson, Arrascaeta, Pedro e Bruno Henrique - eram vigiados pela linha de cinco defensores do Grêmio, que também faziam perseguições. Havia espaço entre volantes e defensores gremistas, permitindo a Pedro e Arrascaeta ou receberem com alguma liberdade, ou atraírem um dos zagueiros, gerando espaços. Mas este Flamengo mais sólido, mais estável sem bola, tinha poucos homens infiltrando, atacando a profundidade. O time nem sempre chegava com muitos homens ao ataque.
Mas logo surgiria outra questão ainda mais série e recorrente. Diante de um Grêmio que colocava cinco jogadores marcando a saída de bola rubro-negra, o time repetiu sua dificuldade de fazer a bola sair bem jogada de trás. Não era mais tão frequente encontrar Arrascaeta ou Gérson por trás da pressão adversária. Restavam passes forçados, mais longos, submetendo os atacantes a duelos físicos. E o Grêmio ganhou muitos deles. O Flamengo perdeu presença ofensiva, e só foi encontrar seu gol num desarme de Ayrton e contragolpe com Éverton Cebolinha.
O problema não estava apenas na dupla de volantes, mas numa linha defensiva que tem exibido, ao longo do ano, problemas importantes para iniciar a construção de jogadas.
A perda de Pulgar colocou Tite diante de outra questão crônica: a falta de um substituto, de um outro volante com vigor e qualidade de passe. Sempre que Gérson foi transformado em segundo volante neste temporada, o time se viu mais fragilizado. Não apenas por responsabilidade do camisa 20, mas também pela característica de um sistema ofensivo que não pressiona tanto. Victor Hugo, que viveu forte oscilação neste 2023, aparentemente ainda não convenceu o novo técnico, neste curto período, de que pode ser uma opção que junte qualidade técnica e vigor.
 
Tite terminou recorrendo a Éverton Ribeiro para o lugar de Pulgar e o início da segunda etapa até teve algumas passagens de jogo em que o Flamengo reteve a bola. Mas, aos poucos, o jogo foi voltando a acontecer no campo defensivo rubro-negro. E, outra vez, era difícil dissociar problemas ofensivos e defensivos: no fundo, um estava relacionado ao outro.
A formação mais leve tornava tentador olhar apenas para a dificuldade sem bola. Mas chamava atenção como o Flamengo cuidava mal de sua posse, como administrava mal o jogo. Acumulava erros de passe ao sair de trás, escolhas erradas e uma saída de bola extremamente difícil. A cada desarme sofrido, era obrigado a tentar defender um Grêmio que acumulava mais homens ofensivos. E havia menos capacidade de ganhar duelos.
Ainda que a matemática siga permitindo fazer contas, o Flamengo jamais se mostrou, ao menos até este ponto da temporada, um candidato realista ao título. Aparentemente, o trabalho de mais impacto que Tite pode produzir é o diagnóstico deste elenco, que precisa de intervenções. Há questões importantes de saída de bola, e há escolhas difíceis por fazer, que envolvem a gratidão a jogadores vencedores e a sensação de que, juntos, têm dificuldades para competir. O próximo mercado do Flamengo irá determinar que rosto terá o time em 2024.
 
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