06/02/2023 às 09h35min - Atualizada em 06/02/2023 às 09h35min

Governo tenta acelerar reforma tributária, tida como vital, mas travada há 20 anos

Gaucha ZH
Promessa central da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e temática consensual no setor produtivo, a reforma tributária domina as atenções e discursos da nova equipe econômica. Os integrantes correm contra o tempo para organizar o que pode ser aproveitado dos projetos em discussão no Congresso e fechar o texto, abrindo caminho para aprovação ainda no primeiro ano de mandato. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou, no fim de janeiro, força-tarefa para a elaboração da proposta com representantes de todas as áreas da pasta. Em declarações recentes, Haddad chegou a projetar a aprovação da matéria até abril, mas esse cenário mais otimista parece distante. O intervalo de tempo é considerado exíguo para assunto de tamanha complexidade, haja vista que, desde 2004, pelo menos seis propostas de emenda à Constituição (PECs) e um projeto de lei estiveram na pauta do Congresso, sem avançar o suficiente.
Até o momento, o governo federal não detalhou os principais pontos da pauta, largando apenas fragmentos sobre o que deve nortear o texto final. Em um dos acenos mais recentes, no último dia 2, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, estimou a aprovação do tema no Congresso em, no mínimo, seis meses. A declaração da ministra ocorreu após reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na mesma data, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a proposta deve ser encaminhada ao Parlamento até abril e que há espaço para aprovar o texto até o final deste ano. Em mensagem ao Congresso, Lula manteve o mesmo tom, destacando avanços no tema nos próximos meses.
Dias antes, Haddad adiantou que a reforma vai replicar as melhores experiências internacionais e evitará mudar as regras do Simples, tendo foco no imposto sobre consumo. A definição do comando do Congresso, na semana passada, abre caminho para celeridade no processo. Recém reeleitos, Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fizeram gestos de apoio à tramitação da proposta nesses primeiros meses. No intervalo de quase duas décadas, as PECs 45 e 110, que resguardam algumas semelhanças, ganham fôlego extra e concentram a maior parte das expectativas hoje. Entre as razões, está a nomeação de Bernard Appy para a Secretaria Especial da Reforma Tributária. O economista, que comandou a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e a Secretaria Extraordinária de Reformas Econômico-fiscais no primeiro governo Lula, cofundou o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), entidade que presidia quando assinou a autoria da PEC 45 — um dos nortes da temática a partir de agora. Appy também foi diretor de Estratégia e Planejamento da BM&F Bovespa, hoje B3, de onde vem relacionamento mais próximo com o mercado financeiro.
No terceiro trimestre de 2022, as despesas gerais do governo federal representavam 44,9% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dado mais recente disponibilizado pelo Tesouro Nacional. Mais do que a redução da elevada carga tributária nacional, a meta de ambas as PECs sobre a mesa no momento é perseguir um modelo capaz de simplificar processos e obrigações acessórias da contabilidade fiscal. Com isso, espera-se por melhorias no ambiente econômico para destravar investimentos. Movimentações recentes, a exemplo de reunião entre Appy, autor da PEC 45, e senadores que participaram da elaboração da PEC 110, indicam que a tentativa será produzir texto único com referência às duas propostas que tramitam em separado desde 2019 – a 45 na Câmara e a 110 no Senado.
Uma frase repetida à exaustão por anos pelo empresário gaúcho Jorge Gerdau Johannpeter resume a missão. Segundo ele, a área tributária da siderúrgica nos EUA poderia ser tocada por três profissionais e, no Brasil, não com menos de 300. Exageros ou verdades incômodas de lado, a base sobre a qual nascem as propostas em discussão é a unificação de tributos.
Pressões sobre isenções e interesses empresariais
De acordo com o orçamento federal de 2023, deixarão de entrar no caixa no decorrer deste ano R$ 456,1 bilhões referentes às isenções e renúncias fiscais, o que corresponde a 4,29% do PIB. Por quatro anos, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, propagou que a revisão em cerca de 20% desse universo faria brotar o equivalente a R$ 50 bilhões nos cofres federais e haveria, segundo ele, margem para mais.
E, exatamente, nesse ponto começam os debates. Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin lembra que o pacote de medidas, apresentado pelo Ministério da Fazenda no fim de janeiro, já aborda de maneira transversal as desonerações. A questão, avança ele, é que isso mexe no bolso de setores específicos e pujantes da economia nacional, que contam com ampla representação no Congresso Nacional, o que prenuncia mais zonas de resistência.
Da mesma forma, a prioridade dada para o recolhimento tributário nos Estados e municípios de destino, ao contrário do que acontece hoje, quando a arrecadação fica na origem, tem potencial para elevar receitas nos entes da federação menos desenvolvidos, o que desagradaria aqueles economicamente mais ativos.
Como consequência, o diretor legislativo da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon), Diogo Chamun, antevê outro campo de conflito nas bases regionais de deputados e senadores, que sairiam em defesa de interesses locais. Nota técnica das consultorias de orçamento do Senado e da Câmara dos Deputados, por exemplo, dá números à concentração de renúncias e benefícios no Sudeste e no Sul: mais de 60%. A constatação, segundo o texto, contraria a determinação constitucional que aponta para a redução de desigualdades regionais.
— O que pesa é a oposição corporativa. Estados e municípios já se opuseram, pois perderiam o fluxo direto de arrecadação para a União que, depois, repassaria aos entes. Há forte resistência sobre o fato. Ainda existem os interesses empresariais que podem achar que vão pagar mais e que deveriam pagar menos – arremata Chamun. 
De olho no detalhamento das leis
PEC é o instrumento legislativo que altera pontos da Constituição e cria regras gerais. As definições específicas chegam na sequência com as leis complementares. Por isso, contemplar necessidades e trâmites em ambiente parlamentar heterogêneo será o desafio do governo, avalia Tatiane Correa, gerente do Núcleo Jurídico e Tributário da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS). Ela aponta, por exemplo, que o setor de serviços – responsável por cerca de 70% do PIB nacional — recolhe, atualmente, ISS, PIS e Cofins, cujo teto não ultrapassa 14,24% sobre os rendimentos anuais. O texto da PEC 45 especula alíquota de 25%, o que aumentaria em mais de 10 pontos percentuais a carga sobre área vital para o desenvolvimento do país. 
— Após a aprovação, se houver, é preciso ficar atento à redação dos detalhamentos, alíquotas, como funcionaria a distribuição para Estados e municípios. Isso ainda é desconhecido. É difícil fazer reforma desse tamanho sem que alguém saia perdendo. A federação defende a maior isonomia possível, ou seja, que não haja aumento de carga, mas, sim a simplificação — argumenta. 
Gerente do Núcleo Jurídico e Tributário da Fecomércio-RS
Nesse aspecto, Tatiane resume a complexidade envolvida: de 111 países, o Brasil é o segundo que mais tributa empresas, conforme ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2022. Por aqui, gasta-se, em média, até 1.501 horas por ano para cumprir obrigações tributárias — o maior tempo entre os países avaliados. Na atual divisão do bolo tributário, diferentemente de nações mais desenvolvidas, a maior fatia fica com o consumo (48,44%), seguida por renda (19,22%) e propriedade (4,58%). Tatiane diz que é a predominância dos denominados tributos indiretos (consumo) a causa da regressividade e da injustiça fiscal ocasionada pelo atual sistema tributário nacional. 
Gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles afirma que a reforma precisa ser ampla nessa primeira parte, incluindo os principais tributos do consumo e os substituindo por um IVA. A necessidade de caráter distributivo, com tributação mais equilibrada entre bens e serviços, e o fim da cumulatividade são pontos importantes, acrescenta. O gerente diz que uma reforma bem estruturada tem potencial para aumentar o PIB do país, auxiliando no crescimento dos setores e na reindustrialização.
Cobrança de ajuste dos gastos
O presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis (Sescon-RS), Flávio Ribeiro, avalia que ambas as PECs em debate se restringem aos impostos diretos. Para o dirigente, antes seria necessário readequar os gastos do governo. Isso porque esse é o embrião da necessidade de custeio das obrigações da União e, por consequência, da fome arrecadatória que tende a afetar as propostas colocadas em discussão ao longo dos anos.
Em números: as receitas previstas no orçamento de 2023 somam R$ 5,345 trilhões, com R$ 2,010 trilhões destinados aos juros e encargos da dívida pública. Dos R$ 3,191 trilhões restantes, 94%, ou seja, quase a totalidade da disponibilidade, está carimbado para pagar despesas obrigatórias. É esse o contingente que poderia ser reajustado em eventual reforma administrativa, salienta Ribeiro. Nesse aspecto, Diogo Chamun, da Fenacom, chama a atenção para a necessidade de incluir mais temas no âmbito da reforma tributária. O primeiro é outro compromisso de campanha de Lula e também frequenta as falas recentes do presidente. Trata-se da defasagem da tabela do Imposto de Renda (IR) e a iniciativa de isentar da cobrança os rendimentos até R$ 5 mil:
— Atualmente, a tabela só pode ser atualizada, inclusive para repor a inflação, um direito de todo cidadão, por meio de lei.
É inadmissível. Essa sistemática de aumentar arrecadação sem elevar as alíquotas é muito confortável para o governo, já que não enfrenta a sociedade e nem o Legislativo, pois basta não reajustar ou reajustar abaixo da inflação para a arrecadação aumentar.
As principais propostas em tramitação no Congresso
PEC 45

Unifica cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) para criar o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).
O novo imposto seria uniforme, com alíquota única referencial, porém com a manutenção da autonomia de Estados e municípios para fixar alíquotas próprias.
Seria priorizado o recolhimento para os Estados e municípios de destino, ao contrário de hoje quando a arrecadação fica na origem. Isso beneficiaria as unidades da federação menos desenvolvidos, aumentaria a arrecadação em algumas cidades e reduziria em outras.
A ideia é manter a carga tributária, sem elevações ou reduções dos níveis atuais, mas com foco na simplificação dos procedimentos.
É semelhante ao modelo de IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) adotado na maioria dos países europeus.
Veda benefícios fiscais, o que anularia a guerra fiscal, mas, ao equiparar todos os segmentos, oneraria, por exemplo, produtos essenciais, como os da cesta básica.
Há previsão de mecanismo de devolução do imposto às famílias mais pobres, por meio de programas sociais.
Institui o Imposto Seletivo, ou seja, que desincentiva o consumo para alguns bens e serviços, caso de cigarros e bebidas.
PEC 110
Unifica nove tributos (ICMS, IPI, IOF, ISS, PIS, Cofins, CSLL, Cide combustíveis e salário-educação) para criar o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).
Cria alíquota padrão do IBS e permite a instituição de outras diferenciadas por produto/setor econômico. Essas alíquotas, entretanto, deverão ser uniformes em todo o território nacional.
Desloca parte da tributação sobre o consumo para a renda, para equilibrar a distribuição (em média, 37% sobre a renda e 25% sobre o consumo), conforme modelo de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 
IPVA e ITCD teriam a arrecadação transferida aos municípios. 
Ao contrário da PEC 45, permite a concessão de benefícios fiscais para vários produtos e serviços. Entre eles: alimentos, medicamentos, transporte público, saneamento básico, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio, Superior e profissional.
Permite a instituição de adicional de IBS cuja arrecadação será destinada ao financiamento da Previdência Social.
Também prevê Imposto Seletivo, porém, mais amplo do que na PEC 45, incidindo sobre vários produtos. Entre eles: petróleo e derivados, combustíveis e lubrificantes, cigarros, energia elétrica, telecomunicações, bebidas, veículos.
Também em debate - Tabela do IR 
Os trabalhadores (seja empregado, autônomo ou empresário) têm parcela dos rendimentos abocanhada pelo governo por meio dos impostos. A tabela de cálculo para o IRPF está congelada desde abril de 2015 e é atualizada por índices inferiores à inflação desde 1996, o que gera defasagem de 148%. Significa que, se estivesse atualizada, nenhum trabalhador que ganhasse, mensalmente, até R$ 4.720, pagaria Imposto de Renda, ao contrário do que ocorre atualmente, quando rendimentos acima de R$ 1.903,98 já são tributados.  
Tabela do Simples Nacional
Semelhante às pessoas físicas, as empresas de pequeno e médio porte (PMEs) tributadas pelo Simples Nacional estão desde 2018 sem correção na tabela, o que reduz margens, em razão da inflação no período e exclui parcela significativa desses negócios do modelo que possui teto de rendimento bruto fixado em R$ 4,8 milhões (arrecada-se mais porque os preços sobem, mas o lucro é menor). Hoje, são 19 milhões de PMEs. Juntas somam 30% do PIB, arrecadam cerca de R$ 100 bilhões por ano em tributos e 83% delas não sobreviveriam sem o regime diferenciado, aponta pesquisa do Sebrae. 
Lucros e dividendos
A taxação em 15% para distribuições acima de R$ 500 mil mensais teria potencial de acrescentar de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões, anualmente, em arrecadação e envolveria universo inferior a 60 mil contribuintes. Declarações da atual equipe econômica indicam que a ideia segue viva, mas pode encontrar resistências, tendo em vista que até 1996 havia a cobrança, que foi retirada à época porque o entendimento era de que o sistema tributário nacional já onerava as empresas em outras etapas da constituição de receitas, e voltar a fazê-lo na hora de distribuir lucros ou dividendo seria espécie de bitributação.

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