05/12/2022 às 11h21min - Atualizada em 05/12/2022 às 11h21min

"Revogaço" pretendido por equipe de Lula deve encontrar resistência no Congresso

Gaucha ZH
Debatida antes mesmo da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, a lista de revogações de medidas adotadas pelo governo Jair Bolsonaro abrange áreas como desarmamento, educação, saúde, ambiente e economia. São regras editadas ao longo dos últimos quatro anos que, a partir de 2023, podem ser anuladas ou substituídas com uma canetada do presidente eleito. A extensão do "revogaço", porém, dependerá de negociação com o novo Congresso. Parlamentares de oposição querem ser chamados para tratativas. Em café da manhã na casa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na quarta-feira passada, integrantes da chamada "bancada da bala" disseram que estão atentos à pretendida mudança na política armamentista de Bolsonaro. Eles ameaçam resistir.
— Não será da maneira como Lula acha que vai (ser). Temos um Congresso conservador e não vai prosperar um revogaço — afirmou o deputado federal eleito Alberto Fraga (PL-DF), político próximo de Bolsonaro que volta à Câmara na próxima legislatura.
O encontro dos deputados com Lira ocorreu horas antes de o presidente da Câmara se reunir com Lula. O presidente eleito passou a semana passada em Brasília em articulações para construir a base do governo. Lula conversa com líderes do MDB, PSD e União Brasil para tentar atraí-los e anunciou apoio à reeleição de Lira, o que abre diálogo também com o PP.
Base
A dimensão da base será determinante para diminuir a resistência a um revogaço. A bancada da bala, por exemplo, será composta por 44 deputados em 2023 - dos quais sete deles são do União Brasil. Segundo Fraga, os parlamentares estão abertos a negociar, mas, para isso, Lula não deve "atropelar" o Congresso.
— Muita coisa pode ser conversada e certamente o governo vai entender — disse.
Coordenador do grupo, Capitão Augusto (PL-SP) afirmou que a bancada tem tamanho para paralisar os trabalhos na Câmara.
— Se não tivermos a maioria, temos número suficiente para pegar o "kit obstrução" e não deixar tramitar nada, nem nas comissões nem no plenário — disse ele, que passará o comando da bancada para Fraga no próximo ano.
De acordo com o advogado Marco Aurélio Carvalho, coordenador do grupo de Justiça e segurança Pública da transição, Lula não fará nenhum revogaço sem ouvir quem milita na área.
— A revogação será gradual, escalonada no tempo. Há decretos que vão ser revogados de imediato e outros nos cem primeiros dias do governo — afirmou ele, sobre as propostas relacionadas à política de desarmamento.
A intenção é reverter, em pouco tempo, ao menos os decretos 9.845, 9.846 e 9.847, que flexibilizam a compra e o porte de armas.
— Aqueles que têm armas para se defender em propriedades rurais e os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) de verdade não têm motivo para temer — disse Carvalho.
Precedente
Revogaço em início de gestão tem um precedente internacional que inspira o futuro governo. Horas depois de tomar posse como presidente dos Estados Unidos, Joe Biden assinou 17 medidas que alteraram políticas adotadas no governo Donald Trump.
— O estrago que Trump fez na democracia americana é o mesmo que Bolsonaro fez (no Brasil) — afirmou Lula a jornalistas na sexta-feira.
É nesse contexto que o novo governo pretende revogar também 20 medidas de comércio exterior, como informou o Estadão. Estão na mira, ainda, atos que estabeleceram protocolos sanitários sem comprovação científica durante a pandemia da covid-19, além de cem decretos e atos normativos relacionados à proteção ambiental, como medidas que impedem a aplicação de multas.
Ambiente
Escolhido para comandar a bancada ruralista a partir do próximo ano, o deputado Pedro Lupion (União Brasil-PR), afirmou, no entanto, que o PT indicou que vai abrir espaço para o diálogo. Segundo ele, as revogações na área de fiscalização ambiental não serão feitas de forma brusca.
— O novo governo tem enviado sinais de que não quer radicalizar — disse.
Ele, no entanto, se queixou que, ao mesmo tempo em que emitem essas mensagens, petistas têm agido contra projetos de interesses dos ruralistas no Congresso. O deputado citou a tentativa da Comissão de Agricultura do Senado de votar o projeto que flexibiliza o uso de agrotóxicos.
A análise foi adiada após os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Eliziane Gama (Cidadania-MA), ambos aliados de Lula, pedirem que o tema seja discutido com o governo eleito.
Sociedade civil
Lula também tem sido pressionado por entidades da sociedade civil. A iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, por exemplo, propõe uma agenda de desenvolvimento sustentável elaborada por mais de 400 colaboradores e pensada para ser colocada em prática nos cem primeiros dias da gestão.
Apresentadas aos diversos grupos da equipe da transição, as sugestões estão traduzidas em projetos de lei, decretos e resoluções.
De acordo com o sociólogo Bruno Gomes, que coordenou o grupo de trabalho de mineração da iniciativa, as propostas são resultado de um vasto estudo que não apenas visa a revogação de regras em vigência, mas também alterações.
— Não dá para simplesmente revogar, tem de substituir por algo e não deixar nenhum setor sem regras — disse Gomes.
Apesar da pressão de congressistas e da sociedade civil, o entorno de Lula quer deixar a negociação sobre mudanças normativas para o próximo ano. A avaliação é que a fase atual é de propor a revogação, por parte das equipes técnicas, mas caberá a Lula manejar a execução das sugestões de acordo com condições políticas.
— Todos os grupos de transição encaminharam aquilo que acham que é importante para a sociedade, para o setor produtivo, para as dinâmicas de governo — afirmou a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), do grupo do Meio Ambiente na transição.

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