23/11/2022 às 11h29min - Atualizada em 23/11/2022 às 11h29min

Palometas avançam pelos rios do RS, desafiam pescadores e podem chegar à Bacia do Rio Tramandaí

Gaucha ZH
Após ter sido encontrada em diversos pontos do Rio Grande do Sul, a distribuição e instalação das palometas (Serrasalmus maculatus) nas bacias hidrográficas do Estado já é considerada uma realidade por autoridade e pesquisadores. Com isso, os primeiros reflexos da presença da espécie de piranha em águas gaúchas já foram sentidos em alguns municípios. A consequência total disso, contudo, ainda tem sido calculada. A espécie, que é oriunda da bacia do Rio Uruguai, já foi encontrada em regiões da Bacia do Jacuí, além do Guaíba e Lagoa dos Patos. Como não é um peixe nativo dessas áreas, a presença da palometa pode causar um desequilíbrio ambiental e interferir também na economia de locais que dependem desse equilíbrio. Esse foi o caso do município de General Câmara, no Vale do Taquari. A cidade registrou as primeiras aparições de palometas entre abril e maio do ano passado. Rapidamente, houve uma infestação na Lagoa de Santo Amaro, em um espaço derivado do Rio Jacuí. O resultado foi uma crise que atingiu pescadores do município.
Ao se instalar na região, a espécie encontrou uma área farta de alimento, desde peixes menores até filhotes de espécies maiores. Além disso, a palometa também costuma se aproveitar de peixes presos a redes de pesca. Segundo o professor Roberto Reis, da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), esses foram os principais fatores para os prejuízos em General Câmara.
—  É um impacto direto na qualidade do pescado, porque ela estraga o produto, que perde o valor comercial. Ela também pode causar uma diminuição do número de outros peixes menores que seriam capturados pelos pescadores — explica Reis. 
Um auxílio financeiro precisou ser cedido pela prefeitura aos pescadores em razão dessas perdas. De acordo com o Executivo local, cerca de 40 trabalhadores da área foram habilitados e receberam R$ 1 mil cada, pagos em maio e junho daquele ano, em parcelas de R$ 500. Além disso, cestas básicas foram distribuídas às famílias. Para tentar compensar as perdas em termos de número populacional dos peixes, foi elaborado um projeto de criação de peixes em gaiolas, às margens do Rio Jacuí, com distribuição gratuita do material utilizado. A prefeitura informou que a proposta está na fase de elaboração, mas já há recurso garantido, inclusive com previsão no orçamento para 2023 para que seja executada.
Soluções e prevenção
Apesar de ainda não haver uma estimativa de até onde a presença exótica das palometas poderá interferir nas bacias hidrográficas, pesquisadores gaúchos já trabalham em hipóteses de soluções a curto e longo prazo, além de ações preventivas.
O professor Alexandre Garcia, do Núcleo de Oceanografia Biológica da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), aponta dois tópicos envolvendo outros peixes nativos como barreiras naturais, seja por meio de competição ou de predadores. No primeiro caso, seria fomentar a presença de espécies que disputem espaço com a palometa, como a traíra. Já a segunda ideia seria a instalação de predadores, como o peixe-dourado, para consumirem as piranhas. O entrave, no entanto, está na pesca predatória, que diminuiu muito a população desses peixes atualmente.
Uma terceira alternativa seria trabalhar alterações da espécie em laboratório, segundo o professor. Filhotes da palometa poderiam ser esterilizados e introduzidos nas bacias. Contudo, seria uma alternativa mais tecnológica, custosa e demorada.
Apesar de não ser muito procurada nos supermercados no RS, a palometa pode ser consumida como alimento. A partir disso, a pesca comercial da piranha também poderia ser uma saída para diminuir a população do peixe.
 — Na Amazônia, por exemplo, piranhas podem ser encontradas em mercados nas cidades do Interior, mas é de baixo valor. Mesmo assim, qualquer pesca dela seria bem-vinda — avalia o professor Roberto Reis.
Litoral Norte
A principal causa apontada por especialistas para a migração das palometas da bacia do Rio Uruguai para outras regiões é a drenagem em canais de irrigação de lavouras que retiram a água de uma bacia e desaguam em outra. A partir disso, não há barreiras naturais que impeçam a proliferação por rios e lagoas, com risco da espécie se aproximar até mesmo do Litoral Norte.
— A introdução aconteceu, provavelmente, por bombas de irrigação na parte central do Estado. Logo, ela estará em todo o sistema hidrográfico gaúcho, como nos rios Camaquã, Piratini, Jaguarão, etc., e na Lagoa Mirim. Talvez ainda passem para as lagoas costeiras do sistema do Rio Tramandaí —indica Luiz Malabarba, professor e pesquisador do departamento de Ictiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para o pesquisador, é urgente a necessidade de evitar a transposição da palometa, que já está na Lagoa dos Patos, para as lagoas costeiras da Bacia do Rio Tramandaí. Esse "transporte" da piranha poderia acontecer pela conexão artificial entre a Lagoa do Casamento (Bacia da Lagoa dos Patos) e a Lagoa Fortaleza (Bacia do Rio Tramandaí), por meio de canais de irrigação.
— Se você viajar pela RS-040, vai constatar o início do plantio e brotação do arroz. Quando houver o bombeamento de água para estes canais e o esvaziamento dos campos de arroz, de uma bacia para a outra, corremos o risco de estar fazendo a introdução da palometa no Litoral Norte — afirma o professor.
Em uma visão mais a longo prazo, ainda há risco de consequências mais graves. Segundo Malabarba, há possibilidade de extinção total ou regional de uma espécie:
— Mesmo que daqui a algum tempo a população da espécie invasora atinja um equilíbrio, outras já existentes podem se extinguir ou desaparecer regionalmente durante este processo. Ou então uma espécie que era abundante antes da invasão pode diminuir sua população e tornar impraticável a sua captura para o uso comercial ou para consumo.
Questionada por GZH, a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) informou, em nota, que está articulada com outras entidades, entre elas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Emater.  O objetivo do grupo é ter uma coordenação multidisciplinar em que cada órgão, dentro de suas competências, está trabalhando para a adoção de medidas que amenizem o problema.
A secretaria afirma que atua, junto da Emater, nas discussões e apoio aos pescadores, com acompanhamento dos casos e suporte técnico em cada município afetado.

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