10/11/2022 às 10h37min - Atualizada em 10/11/2022 às 10h37min
Relatório de militares não aponta fraude em urnas e chega à mesma contagem de votos do TSE
Gaucha ZH
Isac Nóbrega/PR O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relatório de fiscalização do processo de votação e pede que seja feita uma investigação técnica urgente sobre eventuais riscos de segurança das urnas. O documento tem 63 páginas e fala em um suposto risco de que um "código malicioso" possa interferir no funcionamento dos aparelhos de votação. O relatório não aponta qualquer fraude eleitoral e ainda reconhece que os boletins de urnas e os resultados divulgados pelo TSE são idênticos. Ou seja, o boletim que a urna imprimiu registrando os votos dados ao final da votação confere com o resultado da totalização divulgada pelo tribunal. Em nota, o TSE agradeceu o envio do documento e destacou justamente que o trabalho dos militares não aponta qualquer fraude ocorrida na eleição.
Num ofício em que encaminha o relatório, o ministro da Defesa alega que durante a inspeção dos militares teria sido observada situação que "pode configurar relevante risco à segurança do processo".
"Dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento", diz Nogueira.
O ministro da Defesa sugere que seja criada uma comissão de técnicos de instituições da sociedade para fazer a investigação do funcionamento das urnas. Esse trabalho, no entanto, já é feito durante o processo de preparação da eleição, com a possibilidade de instituições de fiscalização, como a própria Defesa, para analisar a urna e também os programas que a fazem funcionar. Apesar de o documento possuir 63 páginas, os apontamentos sobre a fiscalização do sistema eleitoral se restringem às primeiras 22 páginas. O restante do relatório é composto por referências utilizadas na elaboração.
O relatório é assinado pelo ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e por outros três militares: o capitão de fragata Marcus Rogers Cavalcante Andrade, o coronel aviador Wagner de Oliveira da Silva e o coronel Marcelo Nogueira de Souza — este último chefia a Equipe das Forças Armadas responsável pela fiscalização.
Após informar que levaria até 30 dias para concluir sua fiscalização do processo eleitoral, o Ministério da Defesa anunciou há dois dias que entregaria o relatório nesta quarta-feira (9). O prazo encurtado atendeu às pressões do presidente Jair Bolsonaro (PL), que trocou os holofotes pelos bastidores desde que perdeu a disputa para o petista Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no último domingo de outubro. Nas poucas declarações que concedeu de lá para cá, o presidente insinua que o dossiê dos militares pode alterar o jogo.
— Brevemente teremos as consequências do que está acontecendo — afirmou ele, na última segunda-feira (7).
Antes mesmo da divulgação do relatório da Defesa, o presidente eleito saiu em defesa do processo eletrônico de votação do país. Lula disse que a urna eletrônica é uma "conquista do povo brasileiro". O presidente eleito concedeu no início da noite sua primeira coletiva à imprensa em Brasília, após reunião no TSE.
— A urna eletrônica é uma conquista do povo brasileiro. Acho que muitos países no mundo invejam o Brasil pela lisura do processo — disse.
O presidente eleito citou o pleito nos Estados Unidos, onde, segundo ele, "ainda estão contando votos no papelzinho" para saber os resultados das eleições.
Contestação
Na terça-feira (8), o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que a legenda não iria contestar o resultado das eleições, mas que Bolsonaro poderia fazê-lo se tiver "algo real na mão". Já o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) disse que o relatório do Ministério da Defesa é assunto para o Judiciário, e não do governo de transição.
— Não tenho nenhuma informação sobre esse relatório. Agora, quem cuida disso é o Poder Judiciário, que tem uma Justiça especializada para isso, que é a Justiça Eleitoral — afirmou o vice.
O ministro da Defesa reiterou por diversas vezes que a função das Forças Armadas era de contribuir para melhorar o processo de votação. Em comunicado oficial, em 18 de outubro, disse agir à luz da Resolução 23.673/21, do TSE, fiscalizando o sistema eletrônico a convite do próprio tribunal e não se dedicando a uma auditoria propriamente dita. Em 14 de julho deste ano, quando foi ao Senado, o ministro projetou num telão uma apresentação com o título "A Colaboração das Forças Armadas para Aperfeiçoamento da Segurança e da Transparência do Processo Eleitoral Brasileiro". Naquele dia, Nogueira fez um histórico das perguntas e sugestões que haviam sido enviadas ao TSE pelos militares.
Ao final, resumiu o pedido do ministério em três itens: realização de teste de segurança no modelo 2020 da urna eletrônica; testagem das urnas no dia da votação, com acionamento feito por digitais dos eleitores, e auditoria dos partidos mais efetiva. A participação do Ministério da Defesa nas eleições deste ano foi alvo de embates constantes com os diferentes ministros que passaram pela presidência do TSE. Em agosto do ano passado, os militares foram convidados pelo então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, a integrar a Comissão de Transparência das Eleições. À época, o titular da pasta ainda era o general Walter Braga Netto, que concorreu ao cargo de vice-presidente na chapa de Bolsonaro neste ano.
Braga Netto indicou o general Heber Garcia Portella, que passou a reproduzir o discurso anti-urnas do governo nas reuniões realizadas pelo tribunal, chegando a cobrar dos ministros que apontassem "as consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma irregularidade" nas eleições.
No início deste ano, quando Barroso passou o comando do TSE ao ministro Edson Fachin, a Defesa passou por um período de escalada da tensão com a Justiça Eleitoral. Os militares encaminharam ao tribunal mais de 88 questionamentos e sugestões de melhorias do sistema eletrônico de votação.
Os documentos também reproduziram parte dos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, com questionamentos até mesmo sobre a existência de entradas USB nos dispositivos. Diante das investidas das Forças Armadas, Fachin chegou a dizer que "quem cuida das eleições são forças desarmadas".
Quando assumiu em agosto deste ano a presidência do TSE, Alexandre de Moraes concordou em atender parte dos pleitos dos militares, como a realização do teste de urnas com uso das digitais de eleitores para desbloquear a operação.
A urna modelo 2020 foi submetida à inspeção por peritos de universidades federais. O teste-piloto com participação de eleitores foi realizado em seções nos dois turnos de votação e os partidos puderam realizar a auditoria, respeitadas as regras eleitorais.
Outras instituições também fiscalizaram as eleições deste ano e atestaram a lisura do processo eleitoral, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Tribunal de Contas da União (TCU).
Após a Defesa ter divulgado o relatório, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, escreveu uma nota:
Nota oficial
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa que, assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022.
As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas.
O TSE reafirma que as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional e as eleições de 2022 comprovam a eficácia, lisura e total transparência da apuração e totalização dos votos.
Alexandre de Moraes
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral