Sexto maior produtor agrícola do país, o Rio Grande do Sul já faturou mais de R$ 43 bilhões até outubro deste ano com as lavouras. No entanto, a alta produtividade do agronegócio gaúcho esbarra em um problema comum ao restante do País: a baixa conectividade do campo. De acordo com o Censo Agropecuário 2017, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apenas 41,1% dos estabelecimentos rurais do estado têm acesso à internet.
Esse cenário tende a mudar com a nova legislação em torno do Fust, o Fundo de Universalização de Telecomunicações, que prevê, entre outras metas, investimentos para ampliar a conectividade nas áreas rurais do País.
No último dia 19, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 172/2020, que passa a permitir o financiamento de políticas governamentais de telecomunicações por meio do Fust. Criado em 2000 (Lei 9.998), o Fundo tinha o objetivo de garantir serviços de telefonia fixa em locais que não oferecem lucro para o investimento privado, seja por causa da baixa densidade demográfica, baixa renda da população ou ausência de infraestrutura adequada, por exemplo.
A principal fonte de receita do Fundo é a contribuição de 1% das empresas sobre a receita operacional bruta. De 2001 a 2016, o Fust arrecadou R$ 20,5 bilhões, mas apenas R$ 341 mil desse montante foi usado para melhoria dos serviços de telecomunicações. Cerca de 75% do arrecadado se destinou para outros fins, como pagamento da dívida pública, de acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2017.
O texto aprovado pelos senadores amplia a possibilidade de uso dos recursos do Fust que, a partir de agora, vão poder ser gastos para expandir e melhorar a qualidade das redes e dos serviços de telecomunicações, reduzir as desigualdades regionais em telecomunicações e estimular o uso e desenvolvimento de novas tecnologias de conectividade para promoção do desenvolvimento econômico e social. O PL tira o Brasil da era da telefonia fixa e o coloca na era digital, ao menos no que prevê a nova legislação.
O senador Luis Carlos Heinze (PP/RS) destaca a importância de conectar as propriedades rurais à internet. Segundo ele, com o uso de recursos do Fundo, e realização de parcerias entre as grandes e pequenas empresas de telecomunicações com o Governo Federal, é possível elevar mais o papel de destaque brasileiro no cenário internacional.
“Hoje as grandes plantadeiras modernas, os pulverizadores, os tratores, as próprias colheitadeiras e as retroescavadeiras são dotadas de equipamento de conectividade e não podem ser utilizadas. Essa revolução está nos EUA, Japão, nos países da Europa. Não está no Brasil. Isso estará também à disposição do agro brasileiro”, projeta.
O texto aprovado prevê que os recursos do Fust serão destinados a cobrir projetos para serviços de telecomunicações em zonas rurais ou urbanas com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Além disso, o Fundo poderá financiar políticas para inovação tecnológica de serviços no meio rural, coordenadas pela Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).
O desafio é considerável, já que mais de 70% das propriedades rurais do País não possuem conexão com a internet, de acordo com o IBGE. Extremamente competitivo em escala global, o agronegócio brasileiro precisa de conectividade para o uso intensivo de sensores, drones e operação das próprias máquinas no campo, por exemplo.
Lucas Rocha, gerente de Inovação da Fundação Lemann, acredita que a eficiência do agronegócio brasileiro iria crescer consideravelmente com a ampliação do acesso à internet no campo. “O Brasil é uma potência no agronegócio e a tecnologia tem viabilizado coisas muito legais, desde o uso de drones para fazer a pulverização de combatentes agrícolas, a questão de você conseguir dosar certinho a ração no tratamento da pecuária, de acompanhar e conseguir combater pragas”, avalia.
O texto aprovado tem, entre as prioridades, prover o acesso à internet às escolas de todo o país com recursos do Fundo. Dados do Censo Escolar 2018, divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) no ano passado, apontam que 30,4% das escolas de ensino fundamental não têm conexão com a internet, o que equivale a mais de 39 mil estabelecimentos. No ensino médio, a conectividade é bem maior. Menos de 5% das escolas dessa etapa não têm acesso à rede – embora grande parte das conexões se limite ao uso administrativo, não alcançando os alunos.
De acordo com o PL 172, no mínimo 18% dos recursos do Fust deverão ser aplicados, obrigatoriamente, para dotar todas as escolas públicas brasileiras, em especial as que ficam na zona rural, de acesso à internet em banda larga, até 2024. A internet em banda larga, de maior velocidade, só está disponível em 57,6% das instituições do fundamental. Ou seja, mais de 54 mil escolas não possuem esse tipo de recurso.
A dificuldade que os alunos brasileiros têm em relação à disponibilidade de internet é um dos gargalos para a melhoria da educação nos próximos anos. Fato que ficou escancarado com os efeitos da pandemia da Covid-19. De acordo com levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), cerca de seis milhões de estudantes — da pré-escola até a pós-graduação — não têm acesso à internet banda larga ou 3G/4G para participarem de aulas remotas, alternativa que as escolas encontraram para minimizar o impacto da proibição das atividades presenciais.
Para Ana Caroline, especialista em Direito Civil, a lei que regulava o Fust era ultrapassada. Agora, com o novo formato do Fundo, ela acredita que será possível diminuir a desigualdade de acesso à internet, cuja pandemia da Covid-19 escancarou. “Várias crianças que residem nas áreas rurais não puderam, sequer, acompanhar as aulas”, salienta. É inegável que, cada vez mais, a educação de forma online vai estar presente na vida das pessoas e essa população precisa ter esses recursos básicos de sinal e internet para que consigam acompanhar essa evolução”, completa.
De acordo com o texto aprovado, o Fust será administrado por um Conselho Gestor, vinculado ao Ministério das Comunicações. As pastas de Ciência, Tecnologia e Inovações; Economia; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Educação; e Saúde terão um representante cada no colegiado. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) também vai ter um representante. O Conselho contará, ainda, com três representantes da sociedade civil e dois das prestadoras de serviços de telecomunicações.