O cenário beligerante no Ceará, com policiais militares amotinados por aumento salarial, pode servir de estímulo para que brigadianos gaúchos pressionem o governo de Eduardo Leite nas próximas semanas. A possibilidade foi exposta por três dirigentes sindicais. Segundo eles, há insatisfação da categoria com o pacote de mudanças na carreira protocolado na Assembleia pelo Piratini e aprovado pelos deputados em janeiro. Esse descontentamento pode se acirrar ainda mais quando o projeto que ficou de fora e que altera as alíquotas previdenciárias da categoria for levado a plenário, o que deve acontecer até abril.
O Piratini sugere aumento progressivo do atual percentual de 14%, podendo atingir até 22%, conforme a faixa salarial. A matéria foi excluída do pacote votado no mês passado porque a reforma federal feita pelo Congresso impôs novas alíquotas para militares da União com limite de 10,5%, em 2021, gerando dúvida, entre deputados aliados, sobre a segurança jurídica da alteração nos Estados. O Piratini conseguiu, no Supremo Tribunal Federal (STF), liminar contra a lei federal. Com a decisão, o governo deve garantir o apoio da base aliada na Assembleia para mudar o desconto de brigadianos e bombeiros.
— Tanto a gente é pisoteado, que uma hora explode. É como um barril de pólvora — alerta Aparicio Costa Santellano, presidente da Associação dos Sargentos Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar (ASSTBM).
Mesmo ciente da proibição constitucional de greve por policiais militares, o dirigente se diz solidário aos colegas amotinados em cidades cearenses.
— A situação que os policiais enfrentam lá chegou ao extremo e aqui está se encaminhando para isso também. Eles têm toda a nossa solidariedade e apoio — acrescentou, lembrando que está sendo organizada uma manifestação para março no Rio Grande do Sul, ainda sem data definida.
— As decisões do governo gaúcho têm incentivado que façamos atos mais radicais — complementa José Clemente, presidente da Abamf, entidade que representa os servidores de nível médio da BM.
Leonel Lucas, presidente da Associação Nacional dos Policiais Militares e Bombeiros Militares, considera que o governo gaúcho tem sido "insensível" com a categoria.
— Sabemos que a população tem sido prejudicada no Ceará e será no Rio Grande do Sul se algo parecido acontecer, mas é preciso entender que a polícia também já faz parte da população. Tem sofrido com diminuição de salários. Muitos não conseguem nem comprar comida — pontua o sindicalista, também se solidarizando com os agentes do Nordeste.
Já a Associação dos Oficiais da Brigada Militar (AsofBM), apesar de se mostrar descontente com o governo, descarta qualquer ato inconstitucional. Presidente da entidade, o coronel Marcos Paulo Beck explica que acordos serão discutidos na base do diálogo:
— Acredito que nosso sistema político tem seus erros, mas é o sistema que temos e, portanto, no qual temos de acreditar. Em última instância, buscaremos o equilíbrio na Justiça. Mas está absolutamente descartada qualquer greve.
A Secretaria da Segurança Pública do RS disse, em nota, que a situação no Rio Grande do Sul é "totalmente divergente do atual quadro no Estado do Ceará" e que mantém os serviços sob "absoluta normalidade e tranquilidade". A pasta justifica esse entendimento, entre outros motivos, pelo "histórico de responsabilidade, respeito e abnegação com que os profissionais da segurança no RS sempre trataram a sociedade gaúcha durante o encaminhamento dos seus pleitos". Leia a manifestação no governo na íntegra no final deste texto.
O motim de policiais militares no Ceará chegou ao sétimo dia nesta segunda-feira (24). Pelo menos três batalhões de Fortaleza e da região metropolitana seguem ocupados por grupos de amotinados. Até a noite de domingo (23), mais de 200 agentes de segurança haviam sido afastados por participação nos atos. Em meio à paralisação, continua a onda de violência no Estado, com registros de homicídios e assaltos na Capital e no interior.
Desde terça-feira (18), homens encapuzados que se identificam como agentes de segurança do Ceará invadiram e ocuparam quartéis, depredando veículos da polícia. Policiais militares reivindicam aumento salarial acima do proposto pelo governador Camilo Santana. Entre quarta-feira (19) e domingo (23), 147 homicídios foram registrados no Estado pela Secretaria da Segurança Pública (SSPDS). Por conta da crise na segurança, a Força Nacional e o Exército passaram a atuar em Fortaleza.
Outro caso emblemático é o de Minas Gerais, um dos Estados em pior situação fiscal do país e que não pagou o 13º salário de professores. Mesmo assim, acaba de conceder aumento escalonado de 42% para policiais militares, pressionado pelas forças de segurança
"A categoria da Segurança Pública foi uma das únicas a receber reajuste nos últimos anos, com aumentos aprovados em 2014 e executados escalonadamente até 2018, sempre nos meses de maio e novembro. Em janeiro deste ano, o governo obteve na Assembleia, por ampla maioria, a aprovação de projetos para modernizar as carreiras no Estado, inclusive às da segurança pública.
Para a Polícia Civil, foi assegurada paridade e integralidade aos servidores que ingressaram antes da criação do regime contribuição complementar para previdência estadual. E na Brigada Militar, foi atendida demanda da categoria com a migração do regime de remuneração para a forma de subsídio. Em relação as alíquotas previdenciárias dos militares, há uma semana o STF concedeu liminar ao Estado garantindo a autonomia para estabelecer os percentuais para previdência estadual, o que traz segurança jurídica ao modelo adotado pelo Estado até aqui e para a retomada do debate na Assembleia. Além disso, o governo mantém permanentemente aberto o diálogo com as categorias, tanto que já realizou audiências com representantes após a aprovação da Reforma RS.
Por fim, cabe destacar o histórico de responsabilidade, respeito e abnegação com que os profissionais da segurança no RS sempre trataram a sociedade gaúcha durante o encaminhamento dos seus pleitos. Portanto, a situação no RS é totalmente divergente do atual quadro no Estado do Ceará e mantém os serviços sob absoluta normalidade e tranquilidade."
Zero Hora - GZH