A busca por seguridade social segue em processo de represamento no Rio Grande do Sul e no país. O número de benefícios pendentes dentro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) cresceu 211,5% nos últimos cinco anos no Estado. Os dados são do governo federal via Sistema Único de Informações de Benefícios e INSS e foram obtidos por meio da lei de acesso à informação (LAI). Entram nesse rol benefícios como aposentadorias, pensões e outros que não foram detalhados pelo governo. Defasagem de servidores, problemas estruturais, como equipamentos desatualizados e tecnologia menos eficaz, e gargalos reforçados durante a pandemia ajudam a explicar o crescimento da fila, segundo especialistas. Em julho deste ano, eram 82.697 benefícios pendentes no Estado, segundo o levantamento do governo federal. Na comparação com o mesmo período de 2022 — quando foram 84.960 — , o montante mostra queda de 2,7%. No entanto, o total deste ano é exponencialmente maior em relação ao observado em julho de 2019, quando a fila estava em 26.550. O dado de 2023 também é o segundo maior volume nessa série histórica de cinco anos (veja gráfico abaixo). Escassez Jane Berwanger, advogada e diretora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), afirma que um dos principais motivos que cria esse ambiente de número expressivo de pedidos em espera é a falta de servidores federais na área de seguridade social, observada nos últimos anos: — Uma quantidade grande de servidores do INSS se aposentou. E o governo apostava na tecnologia para tentar compensar essa redução de servidores. Só que essa aposta não deu muito certo. A doutora explica que a falta de êxito nessa troca é explicada por uma série de fatores, como falta de afinidade de parte da população com tecnologia. A necessidade de adequações no sistema diante da transição imposta pela Reforma da Previdência também tem peso nesse processo, segundo a especialista: — A Reforma da Previdência fez com que o INSS tivesse de adaptar regras, decretos, treinar servidores. E veio a pandemia. É um conjunto de fatores que tornou qualquer compensação tecnológica difícil. O presidente da Comissão de Seguridade Social da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB/RS), Tiago Kidricki, afirma que, além do problema com falta de pessoal, deficiências estruturais barram a melhor vazão de análise de benefícios no país. Nesse sentido, cita a demora na análise de recursos e também reforça a tentativa de digitalização dos processos: — Existe um problema de sistema do INSS. Tentaram transformar tudo na modalidade virtual. Estão utilizando robôs para concessões automáticas, mas ainda não tem a tecnologia adequada. São observadas também muitas panes nos sistemas. Do total de benefícios pendentes no Estado, 59,07% estão na fila há mais de 45 dias. O restante (40,93%) se encaixa no grupo que aguarda retorno até 45 dias. O tempo médio de concessão era de 46 dias no RS em julho de 2023. Em janeiro, dado mais “antigo” enviado pelo INSS, o tempo era de 77 dias. Indignação e irritação A médica Renata Almeida, 57 anos, é uma das pessoas que aguardam posicionamento do INSS. Ela ingressou com pedido de aposentadoria em março deste ano e ainda não teve retorno sobre o pleito. Essa é a segunda vez que ela tenta se aposentar. A primeira ocorreu em 2017, quando realizou o processo por conta própria, buscando um regime especial em razão de sua profissão. No entanto, o pedido foi negado. Nessa segunda tentativa, ela buscou auxílio de um escritório especializado em seguridade social, analisando possibilidades de acordo com o tempo de contribuição. A médica, que é moradora de Porto Alegre, resumiu o sentimento nessa espera por uma resposta: — A gente fica em uma situação entre indignada e irritada. Segundo a médica, na situação dela, o que resta é enxergar no pleito uma espécie de poupança, pensando que vai receber os valores atrasados em caso de concessão do benefício. No entanto, destaca que essa não é a realidade de muitas pessoas que precisam do benefício de imediato e sofrem com esse impasse. Força-tarefa e reposição O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, afirma que o órgão atua com uma série de medidas para tentar diminuir a fila de benefícios pendentes. No curto prazo, destaca ações como o programa que prevê pagamento de bônus de produtividade para servidores administrativos e peritos médicos. No âmbito das medidas estruturantes, Stefanutto cita a mudança no modelo de concessão de benefício por incapacidade, que não precisa mais de perícia presencial obrigatória. O processo pode ser realizado com base no atestado médico, o que agiliza o trâmite, segundo o presidente. Além disso, citou a convocação de mil novos técnicos para o INSS neste ano, com a previsão de integrar mais 250 remanescentes do concurso até dezembro. Para 2024, a pasta planeja trabalhar junto ao governo para integrar outros 1,8 mil profissionais, mas isso depende do orçamento federal. — Meu quadro total hoje é de 18 mil (servidores). Já tive 42 mil ainda no final do governo da presidente Dilma. Tenho um problema de guarda de pessoal, mas também não preciso contratar de novo os 40 mil. Aí entra um terceiro pilar de reconstrução do INSS, que é o uso da automação em processos mais simples. Stefanutto reconhece que existem reclamações sobre a automação, mas destaca a importância desse modelo: — Sem ela, nós teríamos colapsado. Não conseguiríamos responder nem o que estamos respondendo. Jane Berwanger afirma que o salto no combate à fila depende justamente de investimento no número de servidores: — Me parece que o único caminho seria investir novamente em pessoas. Fazer concurso, contratar servidores para repor os quadros, ainda que parcialmente. O diretor de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Estado (SindisprevRS), Alcieres Cardoso da Silva, também entende que a diminuição da fila passa por melhorias em pessoal e na estrutura, como atualização nos equipamentos: — Sem investimento do governo nesses principais pontos, que são parque tecnológico e capital humano, não vamos ter uma solução.