05/05/2023 às 10h15min - Atualizada em 05/05/2023 às 10h15min

Em novo ciclo de cooperação, Brasil conta com a China para desenvolver infraestrutura, sustentabilidade e tecnologia

Gaucha ZH
Nos últimos anos, a China se consolidou como o principal parceiro comercial do Brasil graças a um fluxo intenso de importações e exportações e vem multiplicando investimentos que somaram R$ 245 bilhões em apenas uma década. Em um novo ciclo da relação bilateral, ilustrado pela recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim, o plano agora é elevar esse patamar de cooperação para aumentar o valor das exportações brasileiras, melhorar as condições de infraestrutura e estimular uma retomada da indústria nacional. Especialistas em economia e comércio internacional ouvidos por GZH sustentam que setores de infraestrutura, transição energética e tecnologia da informação estão entre os mais promissores para decolar a partir do estreitamento de laços com os orientais, com um impacto no mercado de trabalho capaz de favorecer carreiras como engenharias e atividades ligadas à sustentabilidade. A concretização dessas expectativas, porém, depende de o país cumprir com algumas lições de casa como fazer ajustes tributários e legais para reduzir burocracia e aumentar a competitividade.
A parceria é vista por economistas e integrantes do governo federal como uma oportunidade de pegar carona no vertiginoso crescimento chinês testemunhado ao longo das últimas décadas, e que agora serve de lastro para uma disputa ferrenha pela hegemonia geopolítica global com os Estados Unidos. Apenas na última década, o PIB dos asiáticos disparou de US$ 8,5 trilhões para cerca de US$ 18 trilhões no ano passado (veja a evolução no gráfico abaixo) – o segundo maior do planeta, atrás justamente dos norte-americanos, e quase 10 vezes superior a toda a riqueza produzida no Brasil em um ano.
A guinada da diplomacia verde-amarela para o Oriente procura ampliar uma relação comercial que já vem se consolidando desde o primeiro mandato de Lula, além de agora mirar novos objetivos.
– Esse é um novo momento do relacionamento bilateral. A China já é a principal parceira comercial do Brasil desde 2009, principal destino das nossas exportações e principal origem das nossas importações, e cada vez mais um investidor relevante no Brasil. Os chineses vêm crescendo de maneira muito clara nos últimos anos, e este novo momento da relação entre os dois países significa a expansão das áreas de cooperação e investimentos em sustentabilidade, economia verde, com uma grande oportunidade para o Brasil – analisa a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Tatiana Prazeres.
Autor do livro China: o Socialismo do Século XXI, o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Elias Khalil Jabbour sustenta que o Brasil deveria ousar na parceria com o gigante oriental para fazer um rearranjo econômico profundo:
– Nossa grande agenda deve ser a da reindustrialização, tendo os chineses como um braço desse processo. Para isso, o Brasil também precisa resolver um problema grande de infraestrutura. E quem pode entregar portos, aeroportos, trens de alta velocidade e rodovias? Os chineses.
Para isso, argumenta o especialista, o Planalto poderia até recorrer a uma nova política que permitisse trocar commodities como petróleo por grandes obras de infraestrutura. Isso exigiria uma “formulação institucional” inédita, segundo Jabbour, mas seguiria exemplos semelhantes já colocados em prática por países como Irã.
O apetite de Pequim por oportunidades de negócio em solo brasileiro já é considerável. Um estudo divulgado no ano passado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) aponta que, em 2021, a maior fatia de todos os investimentos chineses feitos no mundo coube aos brasileiros, com 13,6% dos recursos, seguido por Países Baixos (10,5%) e Colômbia (9,1%). Parte dos setores mais aptos a se beneficiarem do aprofundamento dessa parceria está citada nos acordos bilaterais assinados, durante a visita de Lula, entre os dois governos e entre empresas de ambos os países.
A diretora-executiva do CEBC, Cláudia Trevisan, observa que cerca de um terço dos protocolos assinados no âmbito governamental envolveu ciência e tecnologia, mesma proporção que coube à área de energias renováveis nos documentos assinados diretamente entre empresas.
– Essa parceria tem muito potencial para novas indústrias ligadas à descarbonização. O Brasil tem um enorme potencial de geração de energia solar e eólica, está investindo no desenvolvimento de hidrogênio verde (sem emissão de gás carbônico) e azul (pouca emissão). Nos acordos firmados entre empresas, por exemplo, há um entre a Spic, que é uma grande empresa de energia, para desenvolvimento de energias renováveis no Porto de Açu (no Rio de Janeiro) – afirma Cláudia.
Carreiras promissoras
Investimentos orientais podem beneficiar uma grande variedade de atividades profissionais no Brasil. Estas são algumas das consideradas mais promissoras por especialistasouvidos por GZH:
Engenharias
A perspectiva de novos investimentos em áreas de construção e infraestrutura, de obras viárias a portos, incluindo ainda setores como geração de energia, torna as engenharias em geral uma carreira preferencial para colocar esses projetos em pé. Engenharias elétrica, civil, mecatrônica (mais voltada à automatização de processos) podem se beneficiar do interesse oriental no Brasil. Há ainda outros setores das engenharias que podem se beneficiar do foco em sustentabilidade (veja a seguir).
 Sustentabilidade
 Considerada prioritária pelos atuais governos chinês e brasileiro, pode beneficiar profissões como engenharia ambiental, química ou florestal atuando em áreas como recuperação de áreas degradadas ou redução de impactos. Projetos de conservação ambiental podem ainda favorecer biólogos, designers e coordenadores de projetos sustentáveis.
Comércio exterior
Carreiras ligadas ao comércio exterior (que atuam em operações de comércio internacional para importação ou exportação de produtos e serviços) estão entre aquelas com maior potencial de desenvolvimento a partir da ampliação dos acordos com os chineses. Isso ocorre porque a China se consolidou como a principal parceira comercial do Brasil, sendo destino de quase 27% das exportações brasileiras.
Tradução
O professor da Universidade NYU Xangai Rodrigo Zeidan não considera fundamental aprender chinês para surfar a nova onda de cooperação entre o Brasil e a China, já que o inglês ainda é a língua comum para transações internacionais, e as novas gerações orientais sabem falar o idioma. Ainda assim, dominar mandarim pode abrir muitas oportunidades de trabalho para intermediar negociações ou atuar como tradutor, entre outras possibilidades.
Tecnologia
Carreiras ligadas a informática e tecnologia em geral, como ciência da computação, programação, gestão de tecnologia da informação, arquitetura de redes, engenharia de software, segurança da informação integram a lista de possíveis beneficiadas mais diretamente pelos eventuais investimentos orientais. Nos últimos anos, a China se tornou uma das referências globais nessa área, especialmente em campos como tecnologia da informação – uso de recursos de computação para armazenar, processar, utilizar ou transmitir informações, o que pode envolver dispositivos como celulares até satélites
Energia concentra maior parte dos investimentos
O relatório do CEBC aponta que a área de geração de energia elétrica recebeu a maior parte dos investimentos chineses feitos entre 2007 e 2021, seja por número de projetos desenvolvidos ou valor desembolsado (veja detalhes no infográfico abaixo). Agora, o professor de economia da New York University Shanghai Rodrigo Zeidan entende que o auxílio asiático pode ser fundamental para a transição da matriz energética nacional em favor de uma maior sustentabilidade:
– A China é líder em energias renováveis, tanto na produção de equipamentos quanto em termos de tecnologias. Se o Brasil for realmente fazer um salto verde, ter a China como parceira e não só fornecedora é ótimo.
 A onda asiática de aportes já atinge outras frentes da transição energética (de um modelo mais poluente para outro com menos emissão de carbono), como a produção automobilística. A empresa GWM anunciou recentemente investimentos de R$ 10 bilhões em uma fábrica em São Paulo, onde devem ser gerados 2 mil novos empregos, para produzir veículos híbridos e elétricos. Na Bahia, a BYD, maior fabricante de carros elétricos chinesa, negocia a aquisição da antiga fábrica da Ford com previsão de R$ 3 bilhões em investimentos e criação de 1,2 mil vagas.
Outras iniciativas de grande porte envolvem setores de tecnologia da informação e infraestrutura, como o lançamento de um novo satélite de monitoramento da Amazônia, o CBERS-6, e a instalação de um terminal portuário em Santos com capacidade para movimentar até 14 milhões de toneladas de grãos por ano a um custo de quase R$ 1 bilhão por parte da empresa Cofco Internacional. As áreas com potencial de crescimento, segundo Cláudia Trevisan, incluem 5G, inteligência artificial e comércio eletrônico.
Empresário
A perspectiva de aportes que favoreçam a inovação leva o vice-presidente Geraldo Alckmin a utilizar o termo “neoindustrialização” para se referir à tentativa de retomada da indústria nacional em um novo patamar – atividade que já respondeu por 48% da geração de riqueza nacional na metade dos anos 1980 e no ano passado colaborou com 23,9% do PIB.
O dinheiro asiático poderia dar novo impulso a carreiras ligadas a engenharias e a computação no país, na avaliação de especialistas como o empresário de tecnologia Otávio Miranda, cofundador da startup Gabriel e ex-morador da China por cinco anos. Engenharias elétrica e eletrônica, mecatrônica, ciência da computação e similares poderiam se beneficiar dos investimentos esperados.
Cláudia Trevisan lembra ainda que os governos dos dois países assinaram declaração conjunta se comprometendo a combater o desmatamento e a atuar na recuperação de cobertura florestal – o que abre outra frente no mercado de trabalho mais voltada para biólogos, engenheiros ambientais e florestais, entre outras profissões.
– Temos uma oportunidade histórica de usufruir da competição entre os polos representados por China e Estados Unidos. Contamos com um amplo parque de engenheiros elétricos e eletrônicos, cabe tentarmos nos integrar a cadeias globais de produção em áreas como telecomunicações, tecnologia aplicada à energia, semicondutores, entre outras possibilidades. A fabricação de carros elétricos é um bom exemplo – diz Miranda.

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