Se saísse hoje da prisão e quisesse voltar a exercer a profissão, o cirurgião Leandro Boldrini, condenado pela morte do filho Bernardo Uglione Boldrini, não teria impedimentos. Preso desde 2014, ele já passou por dois julgamentos na Justiça, mas no Conselho Regional de Medicina (Cremers) — que apura a conduta dele do ponto de vista ético — o caso ainda não teve conclusão.
Questionada, a entidade informou que a apuração é sigilosa, está dentro do prazo e deve ser julgada ainda no primeiro semestre.
Bernardo foi assassinado há nove anos. Em agosto de 2023, Boldrini vai completar o tempo necessário para solicitar progressão para o regime semiaberto. Se obtiver o benefício e tiver trabalho comprovado, a Justiça poderá autorizá-lo a sair da prisão para trabalhar.
Boldrini atuou como médico por 10 anos em Três Passos, no noroeste do Estado. Consolidou carreira e tem serviços reconhecidos por parte da população da região. Inclusive, no último júri, realizado em março, houve jurados que se deram por impedidos porque haviam tido familiares tratados por ele.
À reportagem, o Cremers ressaltou que a apuração interna nada tem a ver com o que é julgado pela Justiça. O que o conselho verifica é se o investigado cometeu alguma infração prevista no Código de Ética Médica.
Em relação à morte de Bernardo, portanto, a entidade analisa se Boldrini teria usado conhecimentos médicos para a prática do crime. Também são apuradas as circunstâncias em que uma receita que teria sido assinada pelo médico acabou sendo usada para a compra de Midazolam, medicamento que teria causado a morte do menino.
Quanto à demora para a conclusão da apuração, cujo resultado pode levar à cassação do registro do médico, o Cremers explica que os prazos são previstos em lei. Conforme o corregedor do conselho, Carlos Isaia Filho, o prazo para um caso prescrever é de cinco anos:
— Neste caso específico, tivemos o problema da pandemia (em que todos os prazos foram suspensos) e também o fato de o médico estar preso, o que ajuda a atrasar os procedimentos. Mas a orientação da nossa diretoria agora é que as sindicâncias sejam julgadas em oito meses e os processos em, no máximo, três anos.
O primeiro passo da apuração é a sindicância. Quando ela indica existência de ilícito ético, é aberto Processo Ético Profissional (PEP). O corregedor afirmou que o julgamento do processo contra Boldrini está marcado para junho.
Se Boldrini for condenado, as sanções podem ser:
- Advertência confidencial em aviso reservado
- Censura confidencial em aviso reservado
- Censura pública em publicação oficial
- Suspensão do exercício profissional até 30 dias
- Cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal
Ou seja, só a aplicação da punição mais severa e que depende de confirmação pelo Conselho Federal de Medicina é que impediria o pai de Bernardo a retomar seus atendimentos médicos. Em 2014, depois de ser preso, Boldrini falou com a imprensa na Penitenciaria de Charqueadas. Na ocasião, ele acreditava que seria inocentado e já falava em retomar a atividade.
— A minha inocência é comprovada, agora só faltam os trâmites jurídicos. Acredito que as pessoas que pensam alguma coisa de mim, com o tempo, isso será modificado. Atuei 10 anos em Três Passos com conduta retilínea. Acredito que, se eu voltar, posso começar do zero e vou conquistar meu espaço da mesma forma que conquistei antes.
Boldrini já foi condenado duas vezes por envolvimento na morte do filho. O primeiro júri foi em 2019 e acabou anulado em 2021. Em 23 de março deste ano, foi novamente considerado culpado pelos jurados e sentenciado a 31 anos e oito meses de prisão.
A defesa do médico pediu novamente a anulação do julgamento, desta vez, sob a alegação de que um jurado teria ferido a exigência de imparcialidade. O pedido está sob análise da Justiça.
Contraponto
O que diz Ezequiel Vetoretti, um dos advogados de Leandro Boldrini:
“A defesa confia na improcedência da representação, uma vez que não há nos autos nenhum elemento que demonstre a utilização da medicina para cometimento de crime. Temos a certeza de que Leandro não participou da morte do filho, no entanto, a discussão junto ao Cremers é outra. Nesse processo, se apura se houve a utilização da sua condição de médico para o cometimento de um crime. E isso está claro que não aconteceu. A assinatura posta na receita médica foi falsificada. Muito embora a perícia oficial do IGP tenha sido inconclusiva, o que lamentamos muito, juntamos aos autos trabalho pericial realizado por um dos melhores peritos grafotécnicos do país, que apontou nove pontos de divergência na assinatura, inclusive um ponto de parada, que dá a certeza de que a assinatura não partiu do punho do médico.”
Gaúcha ZH