O primeiro semestre de 2022 teve ligeira queda nos homicídios no Rio Grande do Sul, com redução de 1,9%, mas os feminicídios, que são os assassinatos de mulheres em contexto de gênero, seguem no sentido contrário, com elevação de 12,2%. Os latrocínios — roubos com morte — tiveram diminuição de 3,4% no comparativo. Os dados foram divulgados na tarde desta quinta-feira (14) pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado.
Nos primeiros seis meses do ano, foram 806 pessoas assassinadas no Estado, o que representa 16 vítimas a menos em comparação com o mesmo período de 2021 (veja gráfico abaixo). A maior redução foi verificada no município de Viamão, na Região Metropolitana, onde os assassinatos no período de janeiro a junho baixaram de 37 no primeiro semestre de 2021, para 20 no mesmo período deste ano. Em contrapartida, a maior alta ocorreu em Rio Grande, na Região Sul, onde o número de homicídios subiu de 14 para 54 na mesma comparação. A disputa entre facções criminosas é apontada como principal fator para o crescimento desse tipo de crime no município.
Mas nem todos os homicídios tiveram como pano de fundo a disputa pelo tráfico de drogas. Dois casos registrados em junho despertaram a atenção. Um deles aconteceu dentro de uma empresa em São Leopoldo. O funcionário Marcelo Camillo, 36 anos, foi morto no início do mês por um colega, que foi preso e confessou o crime, mas alegou que a morte foi um acidente. Para a polícia o estopim para o assassinato foi uma discussão envolvendo o café.
Outro crime registrado no fim do mês de junho despertou atenção também pela motivação. Em Triunfo, na Região Carbonífera, Nelson Joel de Oliveira Ferreira, 61 anos, e o filho dele Anderson Guedes Ferreira, 36, foram assassinados a tiros após uma discussão envolvendo a ordenha de uma vaca. Preso no começo de julho, um funcionário do pai admitiu o crime e alegou que a arma pertencia à vítima. Chefe da Polícia Civil do RS, o delegado Fábio Motta Lopes destaca a responsabilização dos mandantes das execuções, muitas vezes lideranças do tráfico de drogas que estão dentro do sistema prisional, como uma das estratégias para tentar conter os homicídios.
— Essas investigações focam não apenas nos executores, mas nos criminosos que ordenam. Em Rio Grande, estamos há 25 dias sem homicídios, e foi há 20 e poucos dias que os mandantes começaram a ser responsabilizados, com prisões preventivas para lideranças. Não digo que seja a única medida, mas é importante no contexto e está a cargo da Polícia Civil — explica Lopes.
Comandante-geral da Brigada Militar, o coronel Cláudio dos Santos Feoli destaca o uso da inteligência para identificar áreas conflagradas e que necessitam de maior presença policial, assim como as tecnologias, como o videomonitoramento empregado pelos municípios, como formas de combate à criminalidade.
— Temos buscado a presença policial mais visível nas cidades em que enfrentamos os problemas de aumento ou escalada de homicídio. Temos trabalhado em conjunto, com outros órgãos de segurança pública, e isso nos traz possibilidade de planejar ações combinadas, com vistas à repressão desses crimes. A estratégia tem sido eficaz, tanto que mês a mês temos redução nos indicadores. Fizemos movimentações de presos neste mês, para dar início à demolição do Central, e isso não implicou em aumento da criminalidade. Isso é um exemplo que de essa gestão por resultado é um caminho que não deve retroceder — afirma Feoli.
Para o secretário da Segurança Pública, Vanius Cesar Santarosa, por trás da redução dos indicadores está a filosofia do programa RS Seguro — lançado em fevereiro de 2019 como forma de conter a criminalidade no Estado. Neste cenário, ressalta o emprego de integração policial, investimento qualificado e inteligência. Uma das estratégias usadas é intensificar as ações nos municípios responsáveis pela maior parte das ocorrências no Estado.
— Estamos comparando esse ano com ano passado, que tínhamos um cenário de reclusão social, e mesmo assim estamos conseguindo fazer reduções importantes. Isso se transforma em melhor qualidade de vida para a população. Claro que temos oscilações em algumas regiões, como em Rio Grande, onde tivemos de fazer ações mais contundentes, inclusive com reforço policial — explica Santarosa.
O combate às organizações criminosas responsáveis pelo comando do tráfico de drogas no Estado, e que estão por trás de outros crimes como homicídios e assaltos, também é apontado como fundamental para frear os números.
— Estamos combatendo esses grupos criminosos, que têm se mostrado cada vez mais organizados, com dois vieses: prisões e descapitalização. Esses valores que são retirados desses grupos criminosos, como na Operação Kraken, enfraquecem a organização como um todo — afirma Santarosa.
A redução apontada nos homicídios não se mantém quando os assassinatos são de mulheres em contexto do gênero. Foram 55 vítimas de feminicídio no Estado neste primeiro semestre, seis a mais do que as 49 assassinadas entre janeiro a junho de 2021. Os meses de junho e maio, assim como janeiro, acumularam o maior número de casos, com 10 vítimas em cada um. Entre essas 10 mulheres assassinadas em junho, apenas uma contava com medida protetiva de urgência.
Um dos casos de feminicídio registrado em junho aconteceu em Itaara, na Região Central, onde mãe e filho foram encontrados mortos com golpes de faca. Tatiana Armanini Hauensten, 44 anos, e do enteado, Giovani Armanini Hauensten, oito, tiveram os corpos localizados após o namorado dela confessar o crime. Depois de ser preso, Leonardo de Lima Zocani, 22, foi encontrado morto na Penitenciária Estadual de Santa Maria, com sinais de suicídio.
As buscas por mãe e filho tiveram início em Itaara após o autor se entregar à polícia em Barra do Quaraí, na Fronteira Oeste, e confessar os crimes. Os policiais localizaram os corpos das vítimas em um matagal próximo de um mirante. A suspeita é de que ele tenha assassinado os dois dentro de casa e transportado até esta região. A motivação para as mortes seria o ciúme que ele sentia da namorada.
Também em junho foi descoberto em Porto Alegre outro caso de feminicídio. Angelica Aparecida Cidade da Silva, 46 anos, não apareceu no restaurante onde trabalhava como auxiliar de cozinha por três dias seguidos, o que causou preocupação nos colegas, que acionaram a polícia. Policiais foram até a casa onde ela vivia no bairro Santa Tereza, na Zona Sul. No local, o namorado confessou ter enforcado a vítima quatro dias antes e indicou o corpo escondido embaixo de uma pilha de roupas.
Fazer com que as mulheres demorem menos tempo para registrar casos de violência, buscando ajuda já nos primeiros sinais, é um dos desafios, na visão do delegado Fábio Motta Lopes.
— Quanto mais cedo os órgãos do Estado tomarem conhecimento da violência de gênero, mais fácil é romper com esse ciclo antes que ele chegue na forma mais grave que é o feminicídio. Sabemos que muitas vezes há vergonha por parte da mulher ou ela sequer compreende ou enxerga para poder pedir socorro. A sociedade como um todo tem o desafio de ajudar, conversar, para que as vítimas procurem o quanto antes o atendimento dos órgãos especializados — diz o chefe da Polícia Civil.
O comandante-geral da Brigada Militar também considera que o combate à violência contra a mulher ainda é o principal desafio da segurança pública no RS. Neste cenário, aponta a importância de programas como as Patrulhas Maria da Penha, onde policiais monitoram mulheres com medidas protetivas, e o Proerd, voltado à educação de crianças contra a violência.
— Em que pese nossos esforços, esse é um crime que se dá no seio da família, perpetrado por uma pessoa de quem geralmente não se espera a agressão. É muito importante que as vítimas, desde pequenas agressões, sinais de violência, possam fazer as denúncias — afirma o coronel Feoli.
Já o secretário da Segurança Pública destaca que o Estado vêm implementando medidas, como as Salas das Margaridas, que são espaços de acolhimento onde são realizados os registros policiais e atendimentos das vítimas nos plantões das delegacias.
— Esse é o maior desafio. O principal é fazer com que as mulheres façam o registro, para que o caso chegue ao conhecimento do Estado e possa ser feita a proteção dessa mulher. A maioria esmagadora das vítimas de feminicídio não possui nem registro nem medida protetiva contra os companheiros. Estamos debruçados com o objetivo de aumentar as campanhas para estimular as mulheres a buscarem ajuda — comenta Santarosa.
Os latrocínios também apresentaram leve redução no Estado no primeiro semestre, com queda de 3,4%. Em números absolutos, foi registrado um caso a menos do que no mesmo período de 2021 — de 29 para 28 registros. O destaque positivo nos assaltos com morte ficou por conta de Porto Alegre, que apresentou queda de 75%. Enquanto no mesmo período do ano passado tinham sido seis casos, nesse foram dois.
Combater crimes violentos, como roubos a bancos ou a veículos, especialmente com uso de arma de fogo, é inclusive uma das estratégias para evitar os latrocínios.
— Quando em aumento nos roubos, com emprego de arma de fogo, há tendência de que possa ter aumento nos latrocínios. O que se percebe é que redução considerável dos roubos, em linhas gerais, impacta também nos roubos com morte, que são uma consequência — diz Motta Lopes.
Os ataques a bancos caíram quase pela metade no Estado no primeiro semestre. Isso levando em conta tanto furtos quanto assaltos. Em junho, nenhum caso desse tipo de crime foi registrado, segundo a SSP, repetindo o cenário do mesmo mês em 2021. No acumulado desde janeiro, o Estado soma 14 ocorrências do tipo, o que representa 48,1% a menos do que as 27 registradas em igual período do ano anterior.
No acumulado do semestre, os roubos de veículos também tiveram menos casos, somando 2.299 registros, frente aos 2.706 do primeiro semestre do ano anterior, uma baixa de 15%. Os roubos em transportes coletivos também apresentaram diminuição no semestre. Os dados apontam retração, de 587 ocorrências entre janeiro e junho do ano passado para 355 no mesmo período de 2022 — diminuição de 39,5%.
Brigada Militar
Polícia Civil