19/03/2021 às 10h43min - Atualizada em 19/03/2021 às 10h43min

ENTREVISTA: Um ano longe dos palcos

Os impactos da pandemia no meio musical regional

MARCO AURELIO DEBESAITIS/JORNAL ATOS E FATOS
Danúblio Azul
Há exato um ano as bandas e grupos musicais estavam se deparando com as notícias e decretos proibindo a realização de eventos com aglomeração de público. Tradicionais pelo menos nos três estados do sul, os bailes, festas e matinés foram os primeiros segmentos cancelados. Iniciava-se ali um longo e inimaginável período de recesso que nesta semana completa um ano.
Para entender um pouco mais sobre os impactos da pandemia nas bandas de baile, o Jornal Atos e Fatos entrevistou alguns cantores de renomadas bandas deste estilo musical. Pino (Os Atuais), Edemar “Ede” Ties (Danúbio Azul) e Maicon Rodrigues (ex-vocalista do Terceira Dimensão) foram indagados a relatar esse momento difícil que afetou muitas classes trabalhadoras, principalmente os artistas e todos os demais profissionais que atuam no segmento de eventos sociais.
Mas antes de reproduzir o depoimento de cada um dos vocalistas, é preciso entender a amplitude dos negócios e empregos gerados neste contexto de bandas. Não há um levantamento específico, mas estima-se que somente no Rio Grande do Sul existiam, antes da pandemia, cerca de 350 grupos musicais. A somar pelo menos 10 integrantes, entre músicos e técnicos de som e luz, são 3.500,00 profissionais impedidos de trabalhar. Somam-se a eles, donos de clubes, profissionais da segurança, equipes de garçons e limpeza, promotores de eventos, entre inúmeros outros trabalhadores indiretos que tinham funções relacionadas à realização de eventos.
Apesar de ter sua vida diretamente impactada pelos efeitos da pandemia, a classe musical de imediato acatou a todas as determinações e, como muitos outros trabalhadores, passou a se reinventar, sempre com a esperança de que o cenário mudasse ao longo de 2020. Isso não aconteceu e possivelmente ainda vai demorar até o momento em que os eventos sejam liberados e os músicos possam voltar aos palcos para levar a alegria e irreverência dos ritmos de bandas de baile ao seu público, nos clubes e sociedades de todo sul do país.
 
PINO – VOCALISTA DO GRUPO OS ATUAIS DE TUCUNDUVA/RS
Uma vida dedicada à música. 52 anos de atuação em uma só banda. Falar de Os Atuais e não falar de Pino é praticamente impossível. São histórias que se confundem e fundem uma trajetória excepcional que marca uma época e que serviu/serve de motivação a inúmeros outros músicos.
A banda Os Atuais foi fundada em 1968. Em 24 de dezembro do ano seguinte Pino ingressou no grupo, aos 16 anos de idade. Antes baterista/vocalista por 25 anos, Pino, com seu timbre de voz diferenciado e excelente afinação, assumiu como vocalista e, em sua voz, os maiores clássicos da música de bandas foram gravados. Ao todo Os Atuais já lançou 47 discos, 7 DVDs e conquistou 5 discos de ouro, o primeiro deles em 1983 com o LP (disco de vinil) que tinha como destaque a música Barco do Amor, até hoje executada pelas rádios do gênero e interpretada pela maioria das bandas de baile.
Como de praxe, após o carnaval a banda entra em férias durante todo o período de quaresma. A última apresentação d’Os Atuais perante o público, em 2020, ocorreu na cidade de Ivoti, no dia 16 de fevereiro. No mês seguinte (março) começaram a ser cancelados, um a um, todos eventos previamente agendados. A agenda de compromissos para o ano de 2020 estava toda lotada. Em média a banda realizava de 22 a 24 apresentações mensais.
Pino relata que jamais, em sua vida artística, imaginou enfrentar um período tão difícil para toda a classe musical. “Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar. A pandemia assolou o mundo inteiro, não há como culpar esse ou aquele, isso é certo, isso é errado. Talvez seja esse um momento de reflexão. Tivemos que nos reinventar e o que eu mais admiro em nosso meio, é que o músico não se desespera! A estrada ensina e a maior parte dos músicos, inclusive integrantes da nossa equipe, buscaram diferentes alternativas de trabalho. Tenho colegas que estão trabalhando em diversos setores: lavagem de carros, jardinagem... Qualquer trabalho honesto é digno para colocar o alimento na mesa da família. Essas atitudes mostram a grandeza dessas pessoas. Nem dá para imaginar como será a volta. Depositamos todas as esperanças na vacina e ela representa uma luz no fim do túnel”, destaca o cantor e compositor.
“Infelizmente já perdi inúmeros amigos e colegas para a covid-19. É difícil. Não é brincadeira. Temos que nos conscientizar e lutar com todas as forças para sobreviver e ultrapassar essa barreira. Dependemos muito da conscientização das pessoas. Essas aglomerações que estão acontecendo por aí é a grande parte do problema. Se nós (povo) tivéssemos nos conscientizado, tomando todos os cuidados que deveríamos ter, com certeza não estaríamos nesse patamar que está hoje, pior do que quando começou. Para algumas pessoas parece que a vida é menos importante que uma festa! Infelizmente a realidade é essa”, pontua o músico.
“Logo que iniciou a pandemia imaginávamos que seria um cenário parecido àquele quando descobertos os primeiros casos de H1N1. Naquela época não chegamos a parar totalmente, mas sentimos que o público diminuiu nos bailes, no entanto tudo se mostrou diferente. Nesse ano parado, realizamos duas lives (transmissão de show via internet). Foi bom para matar a saudade de tocar, mas falta o público. Tenho muita vontade de voltar a tocar perante os admiradores do nosso trabalho. Recebo diariamente inúmeras mensagens de amigos e fãs, relatando também essa saudade... Mas tudo passa! Nossa vida é uma estrada cheia de barreiras, algumas ultrapassamos sem percebermos, outras se tornam mais difíceis, mas não impossíveis de superar. Só há uma que não venceremos... mas aí já é da vontade divina! Só peço a Deus que continue nos abençoando, nos dando vida longa e muita saúde”, finaliza Pino, que externa ainda seu agradecimento a todos os fãs da banda Os Atuais.
 
EDEMAR TIES “EDE” – VOCALISTA DA BANDA DANÚBIO AZUL – CRISSIUMAL/RS
Cantor, compositor, baterista e produtor musical, Ede é mais um dos artistas regionais que teve toda sua vida relacionada à música. Desde muito cedo, ainda criança, já se destacava cantando em festivais e aos 13 anos de idade já integrava seu primeiro grupo musical, o Mate Amargo. Ao longo de sua trajetória passou por outras bandas da região até que em 1996 retorna à Crissiumal para fazer parte da Banda Danúbio Azul, onde atua até hoje. Nesses 25 anos gravou 14 CDs, 2 DVDs e conquistou dois discos de ouro. 
A banda Danúbio Azul foi fundada em 1968 e desde então iniciou uma ascensão até se consagrar, definitivamente, no ano de 2006, com o lançamento da música Caso Marcado. Dois anos mais tarde a banda recebeu o inédito disco de ouro durante a gravação do primeiro DVD. Desde então sempre figurou entre as mais renomadas e requisitadas bandas de baile do sul do país, tendo em média, aproximadamente 24 apresentações mensais. “Era uma rotina intensa, cansativa, mas gratificante. Não há nada melhor que ganhar a vida fazendo o que ama”, destaca o músico. 
Com o agravamento da pandemia aconteceu um cancelamento em massa de todos os eventos previamente agendados e neste ano a banda conseguiu apenas realizar algumas lives e, por dois finais de semana no mês de novembro, quando o estado do Paraná liberou os eventos-testes, com restrições de público e normativas de segurança, a banda pôde voltar aos palcos, mas com aquela insegurança. “Era uma situação estranha, a vontade de tocar era tamanha, mas aí vinha a preocupação com a saúde, não só nossa, mas o medo de trazer para dentro da nossa família a contaminação pelo vírus... enfim, o lado financeiro nos obrigava a ir em busca desse recurso, contrariando a razão e aumentando a tensão”, enfatiza Ede.
Ao jornal Atos e Fatos o cantor revela que a pandemia não afetou somente o lado financeiro dos músicos. Houve um impacto tão grave quanto esse, que é o fator psicológico. “Salvo o período de férias, há 34 anos nunca havia ficado mais que dois finais de semana sem atuar e, de uma hora para outra tudo muda. Incialmente a esperança de que tudo se normalizaria brevemente, mas aí se passam os dias e o cenário só piora, bate um certo desespero. Graças a Deus tenho uma estrutura familiar muito forte. Tive total apoio da minha esposa e dos dois filhos e juntos estamos contornando a situação”.
São inúmeras famílias, não só de músicos, mas de pessoas envolvidas com a produção de eventos que inesperadamente tiveram que buscar outras formas trabalho. “A vida de músico não é fácil. Você passa a vida toda buscando seu espaço, seu reconhecimento. Batalha incansavelmente para formar sua banda, comprar o seu instrumento preferido e agora vejo vários músicos (amigos) se desfazendo de seus instrumentos, colocando à venda equipamentos, ônibus, tudo que foi conquistado com muito sacrifício. Esse é um aspecto muito doloroso. Infelizmente muita gente se obrigou a desistir da música”, menciona ele.
Dividindo os dias entre os afazeres caseiros, o músico vislumbra a oportunidade de voltar aos palcos assim que a vacinação em massa acontecer. “Inevitavelmente houve algumas mudanças na nossa banda. Alguns músicos já estão atuando em novas profissões, mas o Danúbio continua e recentemente tivemos a oportunidade de gravar e lançar uma nova música, denominada Delícia. Assim seguimos, com fé, esperança e muita saudade do nosso público, finaliza. (Acompanhe pelas redes sociais: https://instagram.com/ededanubio e https://facebook.com/ededutraties).
 
MAICON RODRIGUES – EX-VOCALISTA DO TERCEIRA DIMENSÃO – HORIZONTINA
Oriundo dos festivais da canção, impulsionado pelo incentivo familiar, foi no tempo de escola que Maicon criou gosto pela música. Assim o jovem três-passense cresceu idealizando um sonho e, a julgar por tudo que viveu em meio à música, esse sonho tornou-se realidade e foi além do esperado. Na adolescência ingressou em sua primeira banda (Geração 2000) como guitarrista, depois, já com a banda Geração Musical atuou como guitarrista e passou a ser vocalista. Assim foram os cinco primeiros anos de banda. Talentoso e com mais visibilidade, Maicon passou a ser assediado por outras bandas da região e acabou sendo contratado pela banda Terceira Dimensão, em 2009. Concretizava-se assim mais um sonho. Diante do imenso desafio de substituir outros grandes cantores que por ali passaram, Maicon foi buscando seu espaço e por 11 anos permaneceu no vocal da banda horizontinense. Além dos dois CDs gravados com o Geração Musical, Maicon gravou um DVD e outros quatro CDs, somados a inúmeras músicas lançadas independentemente, com Terceira Dimensão.
Num ritmo exaustivo entre viagens e shows, a banda chegava a tocar mais de 20 eventos por mês. Havia inúmeros projetos para 2020 e todas as expectativas foram frustradas com a chegada da pandemia.  Após sete meses de indefinição, percebendo que a volta à normalidade não estaria tão próxima, Maicon teve que tomar uma difícil decisão: deixar o meio musical. Essa escolha ganhou força pois nesse período sem tocar, teve a oportunidade de se dedicar mais intensamente à família, ao seu filho recém-nascido, coisas que antes eram dificultadas pelos longos períodos fora de casa, cumprindo a agenda de compromissos com a banda. Somando todos esses fatores, a ideia de parar com a música ganhava força.
“Mas como atuar em outro ramo, se o meu sonho era a música, se o que eu sabia fazer de melhor era cantar? Muitas vezes me fiz essa pergunta, mas o tempo não perdoa. Os meses foram passando e tive que escolher. Mudei de ramo!”, observa.
Atualmente atuando no ramo gráfico, novamente Maicon, com amparado na família, conseguiu se reorganizar e continuar levando a vida, desta vez, longe dos palcos.
O sonho, que por anos foi uma maravilhosa realidade, voltou a ficar em segundo plano. “Não dá pra dizer que dessa água eu não bebo, mas de momento meus planos são outros. Se um dia voltar para a música, vai ser para satisfazer o desejo de cantar e tocar, não mais com a intensidade que vivi os últimos anos”, destaca Maicon.
Assim como eu, colegas meus da própria banda e inúmeros outros músicos, de diferentes estilos musicais, tiveram que se adequar a uma nova realidade. É questão de sobrevivência, uns tornaram-se motoristas, outro pintor e assim cada um foi achando seu espaço. 
Depois de 22 anos ligados intensamente à música, chegou a hora de parar. “Não foi da forma como imaginava, mas a situação se apresentou dessa maneira. Fica as lembranças, o legado, mas agora a vida segue de outra maneira”, finaliza Maicon Rodrigues.
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
RÁDIO DIFUSORA Publicidade 1200x90
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp